“Falta ousadia para debater o perfil do padre” no documento do Vaticano sobre paróquias

| 29 Jul 20

Igreja paroquial Vera-Cruz. Aveiro

Igreja paroquial da Vera-Cruz (Aveiro): Falta ousadia para enfrentar o verdadeiro problema da identidade do padre, diz o pároco. Foto: Direitos reservados

O padre João Alves, pároco da Vera-Cruz (Aveiro) considera que a instrução da Congregação para o Clero (CC) sobre as paróquias, evidencia na parte final “o real problema que a fez nascer: há falta de padres, mas temos de ter cuidado para que os leigos, diáconos e religiosos não façam o que eles fazem…”

Esta ausência “denota uma clara falta de ousadia em reflectir o verdadeiro problema: em vez de promover uma reflexão sobre o perfil do padre, encontram-se alternativas que são chamadas de atenção caducas e antigas”, incapazes de promover a “renovação pretendida”, na base do atual Código de Direito Canónico e de uma “atenção excessivamente centrada no sujeito da acção”.

O documento, que foi publicado no dia 20 de Julho, aponta objectivos de renovação missionária, mas centra-se depois em recordar um conjunto de normas jurídicas sobre vários temas ligados aos párocos e ao papel dos leigos ou outros agentes, como se desenvolve em outro texto no 7MARGENS.

Frases feitas, ausência de propostas novas, um texto que parece mais “uma instrução apologética” do que busca de novos caminhos, critica João Alves, que é também colaborador do 7MARGENS.

O pároco aveirense refere aspectos positivos que descobre no texto: “Uma boa pretensão definida no título” e o “desejo de uma conversão pastoral alinhada com o Papa Francisco, que se exprima numa atitude missionária e evangelizadora”. E recorda também vários objectivos ainda longe de serem aplicados no sentido de um trabalho conjunto. “Desde que sou padre, já na diocese de Aveiro se foram procurando alguns caminhos aqui presentes, mas que não deram resultado e houve incapacidade de nascerem/acabarem numa reflexão mais conjunta.”

Ex-reitor do Seminário de Aveiro, João Alves acrescenta a visão interessante da “atitude eclesial” e da paróquia “como comunidade de comunidades”, bem como no entendimento dela “para além do território, com uma percepção das mudanças sociais até assertiva”.

“Mas ninguém leva isto a sério”, lamenta o padre João Alves, referindo-se a realidades como a do catolicismo em Portugal. “Há quantos anos isto se reflecte e, na prática, não há ousadia para pensar um caminho de pastoral de conjunto, a fraternidade habitacional dos padres, a redistribuição do clero.” E acrescenta: “Mesmo num estilo doutrinário e canónico, sem ousadia de conversão pastoral, este texto traz ao de cima o caminho que os nossos bispos também não querem ou conseguem fazer. Vejam-se as nomeações e o puzzle que reflecte o princípio do território e do pároco-paróquia.”

Falta ainda, acrescenta o padre de Aveiro, “definir caminhos de evangelização paroquial com outras responsabilizações laicais”, e isso “não é missão desta congregação”. Aquilo que a CC podia fazer, na perspectiva do clero, “não tem a capacidade de o alcançar”.

 

Um texto “votado ao esquecimento”

“Que utilidade tem um documento que repete o que já se sabia e tão pouco sugere para uma renovação paroquial?”, perguntava também, na sua crónica desta segunda-feira, 27, no Jornal de Notícias, o padre Fernando Calado Rodrigues, da diocese de Bragança.

A instrução pouco inspira os párocos “a renovarem as paróquias”, antes se limita “quase só a sublinhar” o que é proibido. “É um documento seguro na doutrina. Contudo, pobre nas propostas (…). É um documento esquizofrénico.”

Tiago Freitas, padre de Braga e autor da tese Colégio de Paróquias – Um proto-modelo crítico para a paróquia da Europa Ocidental em tempo de mobilidade, sobre novos modelos de paróquias, afirmou por seu turno à agência Ecclesia que o novo documento do Vaticano sobre o tema é uma oportunidade perdida, falhando pela falta de atenção aos desafios da evangelização. Também para ele, “não há nada de novo senão a reafirmação de tudo o que está em vigor, neste momento”.

“Este é um documento muito técnico, muito formal”, centrado no Direito Canónico e que está votado ao esquecimento, afirma. Com um ponto de partida errado: “O Código de Direito Canónico está para ajudar a pastoral, a reflexão teológica, para dar enquadramento, estrutura sólida e jurídica. Não é para ser a bitola de como vamos fazer, como nos vamos organizar”, diz, citado pela mesma fonte.

 

Uma resposta às experiências alemãs e suíças

Tiago Freitas entende que o documento é uma “resposta clara” da Santa Sé ao que se vive neste neste momento na Alemanha, onde a Igreja Católica está a viver um Caminho Sinodal de dois anos de debates internos, que está a “assustar a Cúria Romana”. Exactamente por isso, vários bispos e outros responsáveis católcios alemães criticaram vigorosamente a instrução, como se pode ler neste outro texto.

“Não há razão objectiva para que os leigos não possam cooperar ou participar num real governo das paróquias”, considera o padre bracarense, que refere, além da Alemanha, o caso da Suíça, em que também já há equipas de leigos responsáveis por paróquias, ou mulheres com cargos de responsabilidade delegada pelo bispo. É a esses casos que este documento quer “pôr travão”.

Tiago Freitas avisa que em casos como esses “pode ser discutível se o pároco não fica transformado numa espécie de capelão ou funcionário”, o que pode colocar em causa “o múnus de pastor”, sublinha o padre Tiago Freitas. A nova instrução nem sequer tem em conta o seu próprio pressuposto, critica, que é a “transformação da sociedade e da cultura em que vivemos”, antes sublinhando o papel central do padre na paróquia.

Agora, o padre Tiago Freitas defende que a prioridade deveria ser responder ao “problema maior” das paróquias: a queda do número de cristãos e de pessoas comprometidas, projectando também os desafios do pós-pandemia.

 

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