
Deve-se avançar cada vez mais, pois a construção de um mundo melhor depende muito disso. Mas o caminho será mais consistente e coerente se cada religião for capaz de derrubar as fronteiras que ergue dentro de si mesma. A construção da fraternidade é o instrumento mais forte para as destruir. Foto: Direitos reservados
Fui um dos participantes no Congresso Missionário “Fraternidade Sem Fronteiras”, organizado em conjunto pela Conferência Episcopal Portuguesa, a Conferência dos Institutos Religiosos de Portugal, os Institutos Missionários “Ad Gentes” e as Obras Missionárias Pontifícias. No primeiro dia tive a possibilidade de dialogar com alguns dos presentes que já conhecia, até de outras confissões religiosas; no segundo, apenas pude através do Facebook. Quero felicitar os organizadores pela escolha dos temas, a competência dos palestrantes e de todos os que estavam encarregues da moderação de cada sessão, dos meios técnicos e logísticos. Foi pena que não houvesse um espaço para a colocação de questões por parte dos congressistas. Todavia, compreendo os riscos que se poderiam correr, de atrasos no cumprimento de horários e de intervenções quando algumas pessoas tendem a transformar o que deveriam ser questionamentos diretos, em pequenas palestras, como, por vezes, acontece.
Confesso que fiquei mais enriquecido com tudo o que escutei, mas muitíssimo inquieto. É que se reavivou uma preocupação que me foi sendo transmitida, sempre com um grande, mas sereno incómodo, como era seu timbre, por esse virtuoso ser humano e cristão, Acácio Catarino, que pôs em destaque o pouco testemunho, senão até o contratestemunho de fraternidade, existente dentro da Igreja Católica, por “fronteiras” que se colocam ao relacionamento humano. Em determinada altura, Acácio Catarino desafiou a que tentássemos sentar à mesma mesa grupos eclesiais com posicionamentos diferentes acerca da Palavra de Deus e do Pensamento Social da Igreja. Depois de várias tentativas, conseguiu-se. Com a sua perseverança foi mantendo estes encontros. Oxalá que se tenham mantido. Mas este grupo estava longe de esgotar os grupos que pensam diferente. O diálogo é um instrumento muito pouco utilizado no relacionamento entre os membros da Igreja Católica. Marginaliza-se do grupo, da paróquia, da diocese, quem não alinha com o pensamento dominante. Afastam-se pessoas por se temer que possam colocar em causa o poder que está concentrado na missão de alguns. Na Igreja Católica abundam grupos, movimentos, associações, fundações…que são atribuídas à força inspiradora do Espírito Santo que opera na diversidade como lembra Paulo na 1.ª Carta que escreve aos Coríntios (cap 12), mas o Espírito é o mesmo, o Senhor é o mesmo e Deus é o mesmo (cfr. 12, 4-6). Pelas rivalidades, concorrências, discordâncias de pensamento, disputas que muitas vezes se instalam entre organizações e pessoas é difícil acreditar que seja a ação do Espírito Santo que esteja a operar em todos. O próprio Papa Francisco tem chamado a atenção para, pelo menos, duas tentações que estão na origem destas divisões: a rejeição de distribuir o poder e a inveja.
Por isso, o capítulo 13 da mesma carta aos Coríntios é a que designamos por “Hino ao amor”, pois só baseados nas orientações que Paulo nos deixa, poderemos quebrar as fronteiras que geram divisões dentro da Igreja. Não se deve desejar uma unicidade, mas uma unidade na diversidade. Que todos tenham direito a ser acolhidos com as suas opiniões e projetos e encontrem espaços de diálogo perseverante, muito apoiado pela Sagrada Escritura e com tempos fortes de oração em conjunto. Gostaria de ver abolidos da Igreja Católica os termos “conservador” e “progressista”, porque o diálogo permanente permitiria relevar tudo aquilo em que não nos dividimos. Bastaria uma cuidada reflexão exegética da Palavra de Deus e a sua adaptação às realidades do nosso tempo.
Talvez nas outras Confissões Religiosas também exista este tipo de problemas. É provável. Por isso, não quero deixar a ideia que se deve parar de percorrer o caminho até agora já feito no diálogo inter-religioso. Pelo contrário, deve-se avançar cada vez mais, pois a construção de um mundo melhor depende muito disso. Mas o caminho será mais consistente e coerente se cada religião for capaz de derrubar as fronteiras que ergue dentro de si mesma.
A construção da fraternidade é o instrumento mais forte para as destruir.
Eugénio Fonseca é presidente da Confederação Portuguesa do Voluntariado