Futebol em tempos de cólera

| 4 Ago 2021

A ideia de associar o desporto a uma actividade lúdica, como no mundo antigo (mens sana in corpore sano, diria Juvenal), de modo a desenvolver a saúde física e mental mas também as boas relações entre indivíduos e as virtudes sociais parece estar há muito lançada por terra, pelo menos no futebol profissional.

Futebol. Expressão Facial

“Expressões faciais: a manifestação de cólera foi a mais frequente, seguida da alegria e da tristeza, mas também ‘dor, surpresa, desprezo, aversão e medo’ ” Foto © Damir Spanic / Unsplash

 

Um interessante estudo português mencionado na Visão e realizado pelo Laboratório de Expressão Facial da Emoção (FEELab), denominado “A neuropsicofisiologia da expressão facial da emoção: estudo de caso com jogadores no campeonato da Europa de Futebol de 2020”, além de pioneiro a nível mundial, permitiu detectar as emoções dos atletas durante o torneio, incluindo jogadores de diversos países e diferentes grupos étnicos em plena competição. Na prática verificou-se “a frequência e a intensidade da expressão facial em jogadores provenientes de países e grupos étnicos diferenciados em contexto de competição.”

Os investigadores analisaram os vídeos de todos os 51 jogos a fim de registarem as expressões faciais dos atletas, concluindo que a manifestação de cólera foi a mais frequente (70%), seguida da alegria e da tristeza, mas também “dor, surpresa, desprezo, aversão e medo”, tendo sido utilizada tecnologia de reconhecimento automático em tempo real. No fundo estamos a falar de emoções básicas comuns aos humanos, mas desta vez observadas em contexto desportivo de alta competição.

O laboratório portuense fundado em 2003 e ligado à Faculdade de Ciências da Saúde da Universidade Fernando Pessoa, é o único do género no país e tem recebido repetidas distinções internacionais devido ao pioneirismo e inovação do trabalho científico desenvolvido.

Toda a gente sabe que o futebol é um desporto de massas, por isso junta turbas de adeptos, mas sobretudo de emoções, como os políticos bem sabem e tentam explorar a seu favor até quase à exaustão, em todos os regimes. Quem se lembra da extraordinária ovação que o então presidente do conselho, Marcello Caetano, recebeu num estádio de Lisboa pouco tempo antes do 25 de Abril de 1974? Logo depois o povo explodia de alegria nas ruas com a queda do regime e uma semana depois no 1º. de Maio mais memorável da nossa história.

Mas a forte carga emocional vive-se também dentro das quatro linhas e não apenas nas bancadas. Os atletas são hoje um produto comercializável, um investimento, uma mais-valia financeira para os clubes e os agentes desportivos, por isso qualquer lesão ou desempenho menos conseguido mexem com as emoções da massa adepta e sobretudo com a gestão das contas dos emblemas que representam.

Além de os jogadores se apresentarem no campo com equipamentos que são autênticos painéis publicitários ambulantes, ainda têm que saber gerir a sua curta carreira desportiva, normalmente com o apoio de um agente, funcionando como carne traficada ao sabor dos interesses económicos que se levantam e alimentam a indústria do futebol.

Esta noção de que eles não são realmente senhores de si mesmos, aliada à tremenda pressão para obter vitórias e títulos, por um lado, que justifiquem o investimento neles feito e a preocupação de evitar lesões graves por outro, dispara-os para picos emocionais em especial durante as competições. É por isso que se registam todos os dias conflitos com os árbitros em pleno jogo, por vezes com recurso a agressões verbais e até físicas.

Mas a sede (e a necessidade) de dominar e vencer ajuda a explicar o comportamento: “O congruente estado instintivo que suporta a reação emocional é notório e confirma que, num quadro de competição, a exibição emocional é também uma demonstração de conduta humana, elevada, por vezes, ao extremo da agressividade, pretendendo-se, em primeiro lugar, que os adversários vislumbrem quem tem o poder.”

Desmond Morris defendia nos anos setenta, em O Macaco Nu, que o futebol seria uma actualização das antigas guerras tribais, sendo as claques e os adeptos uma espécie de guerreiros que se confrontavam durante os jogos das suas equipas, utilizando toda uma parafernália distintiva da sua “tribo” (barretes, cascóis, camisolas, bandeiras) mas também sons (gritos, cânticos de guerra, tambores) de modo a incentivar a sua elite guerreira (equipa), diminuindo e desencorajando a adversária. Hoje usam até artigos proibidos como petardos e granadas de fumo.

Em 1985 Gabriel García Márquez publicava um romance do tipo realismo fantástico passado no século XIX na sua América Latina. Em tempos conturbados imaginava uma estória de amor que perdurou no tempo. Chamava-se O Amor em Tempos de Cólera. Num mundo ideal talvez este fosse um bom momento para o futebol profissional trocar a cólera pelo amor ao desporto. À maneira de Juvenal.

 

José Brissos-Lino é director do mestrado em Ciência das Religiões na Universidade Lusófona, coordenador do Instituto de Cristianismo Contemporâneo e director da revista teológica Ad Aeternum; texto publicado também na página digital da revista Visão.

 

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