
Yuri Gagarin. Foto de Domínio Público
É um dos marcos históricos do século XX que aconteceu em 12 de abril de 1961: a primeira viagem espacial à volta da terra, protagonizada pelo cosmonauta russo Yuri Gagarin. Foi um passo de gigante para o então regime soviético na exploração do espaço. “Viajei para o espaço, mas não encontrei Deus” foi a frase atribuída ao piloto que ficou, também ela, para a história. Afinal, parece que não só não foi ele que a disse, como, pelo contrário, se veio a descobrir que ele era um cristão convicto.
Gagarin foi selecionado para a missão do primeiro voo espacial, entre 20 candidatos, por ser pequeno. Media 1,57m e o habitáculo do módulo em que viajou era minúsculo. Mas tanto ou mais do que esse aspeto contou a sua experiência e perícia como piloto militar.
Tinha nascido em 1934, filho de um carpinteiro e de uma camponesa, na aldeia de Klušino, província de Smolensk. Viria a casar com Valentina, enfermeira de profissão e, na altura da missão da ida ao espaço, era já pai de duas meninas, a mais nova das quais nascida cinco semanas antes.
A partir de uma base no Cazaquistão, Gagarin subiu durante dez minutos, até entrar em órbita e 108 minutos depois tinha circundado o planeta. A descida foi mais complicada e só anos mais tarde as autoridades soviéticas deram a conhecer pormenores do que se passou. Mas o acontecimento teve o valor de ser inaugural de uma nova era.
A verdade é que, aos 27 anos, o cosmonauta se converteu num herói não apenas do povo russo, mas também internacionalmente. E o regime aproveitou bem o feito e a aura do seu protagonista principal. Importa não esquecer que se estava em plena Guerra Fria e numa competição feroz entre a União Soviética e os Estados Unidos pela conquista do espaço.
A biografia de Yuri Gagarin, escrita pelo jornalista e seu amigo Anton Pervushin, publicada há dez anos, aquando do 50º aniversário, veio trazer informações que desvendam facetas humanas e pessoais do piloto. Em “108 minutos que mudaram o mundo”, título do livro, Pervushin defende que Gagarin nunca proferiu as palavras que se diz ter proferido acerca de não ter visto Deus ao orbitar a terra. Acrescenta mais: que, nas investigações que fez não encontrou ninguém que tivesse ouvido tal afirmação.
De resto, antes dele, o coronel Valentin Petrov, amigo pessoal e professor da Academia da Força Aérea Russa, segundo o biógrafo, discordando da linha oficial, terá dito: “Gagarin foi um fiel batizado durante toda a sua vida. Confessava acreditar em Deus sempre que lhe era perguntado, não importava onde estivesse.” E adiantou uma explicação sobre a origem da atribuição da frase: numa reunião do Comité Central do Partido Comunista da União Soviética (PCUS), com o fim de desenvolver propaganda anti-religiões, o então líder soviético, Nikita Khrushchov, teria comentado: “Nem Gagarin, que voou pelo espaço, viu Deus em lugar nenhum.” Tais palavras foram colocadas na boca de Gagarin porque alegadamente teriam mais aceitação popular, dada a fama de que o herói nacional gozava.
Um regime que professava o ateísmo de Estado, que aceitou porventura que um dos seus heróis pudesse ter a sua fé privadamente, desde que não a trouxesse a público, explicará o cuidado que o cosmonauta terá tido quanto a esta faceta da sua vida. Mas vários cosmonautas que foram seus colegas e amigos reconhecem-no como cristão e reconhecem também o papel da Igreja Ortodoxa nas viagens espaciais.
A própria filha de Gagarin, Elena, em declarações ao diário italiano Avvenire, diz ter sido batizada. E acrescenta que há muitos ícones religiosos em casa e que a família comemorava sempre o Natal e a Páscoa.
Neste contexto, cabe referir o que dá a conhecer um estudo recente sobre fotografias de ícones no módulo controlado pelos russos na Estação Espacial Internacional.
Trata-se de uma amostra de 48 fotos, de um acervo disponibilizado pela NASA e que permite identificar uma zona que funciona como uma espécie de espaço sagrado (hierotopia), decorado com ícones de Maria Theotokos (Mãe de Deus), Cristo Pantocrator (Todo-Poderoso) e vários santos especialmente venerados na Igreja Ortodoxa, bem como heróis civis, nomeadamente da cosmonáutica soviética e russa, com destaque para Yuri Gagarin.

Ícone de Maria na Estação Espacial Internacional. Foto ©NASA
Os autores do estudo concluem pela existência, na Estação Espacial, do “registo estático de uma cultura dinâmica de observância religiosa que parece estar a evoluir”. Trata-se de “um lugar que replica algumas das funções hierotópicas dos ícones na Terra, incluindo peregrinações e procissões, abençoando a comunidade dos fiéis e celebrando os dias dos santos”.
Gagarin morreu em 27 de março de 1968, enquanto realizava um voo de treino com um caça Mig-15. Ele podia ter-se ejetado, mas o aparelho iria fazer grandes estragos, dado estar sobre uma zona habitada.
Do piloto cosmonauta ficou a aura heroica de quem suplantou o limiar do conhecido, abrindo novos possíveis à humanidade. Hoje, numa praça de Moscovo, ergue-se um monumento de 40 metros de altura que recorda esse feito. Muitos outros monumentos e evocações se espalham por toda a Rússia. E subsistem também ao lado dos ícones religiosos na zona russa da Estação Espacial Internacional.