Padre de Aveiro morreu aos 82 anos

Georgino Rocha (1941-2023): paixão pela renovação e pelas missões

| 10 Mai 2023

Padre Georgino Rocha, Aveiro

Georgino Rocha: “A Igreja jamais pode renunciar ao horizonte do para todos e com todos.. Foto: Direitos reservados

No livro Ao Serviço da Fé na Sociedade Plural (ed. Princípia, 2007), Georgino Rocha escreveu: “É indispensável atender à dimensão popular da salvação e ‘inventar’ caminhos de evangelização acessíveis. Há experiências bem alicerçadas e cheias de interesse pastoral. Deus quer salvar-nos como povo. (…) A opção por grupos e pequenas comunidades tem a função de fermento, a fim de levedar toda a massa. Embora em minoria, a Igreja jamais pode renunciar à missão universal, ao horizonte do para todos e com todos.” Movia-o a paixão pela renovação da Igreja feita a partir da base e capaz de entender os anseios da sociedade. Uma renovação que, como disse no ano passado num dos artigos que decidiu escrever para o 7MARGENS, estava a “necessitar de novos impulsos”.

O padre de Aveiro morreu nesta terça-feira, 9 de Maio, aos 82 anos, na Casa Sacerdotal onde residia. O funeral realiza-se às 17h desta quinta-feira, 11 de Maio, na freguesia de Calvão (Vagos), de onde era natural, depois de uma celebração no Seminário de Aveiro, às 14h.

Nascido em 8 de fevereiro de 1941, no lugar da Choca do Mar, Georgino Rocha não deixou nunca de se querer actualizar em múltiplas áreas. Nas duas últimas décadas, ainda estudou Gerontologia Social e Geriatria (pós-graduação no Instituto Superior Bissaya Barreto, Coimbra, em 2003), e Doutrina Social da Igreja (mestrado no Instituto Leon XIII, Madrid, em 2006). Para trás, ficavam muitas outras aprendizagens: além do ensino básico e do seminário (incluindo Filosofia e Teologia, entre Aveiro e Lisboa), fez um bacharelato, uma licenciatura e um doutoramento em Teologia, na área pastoral (Salamanca, em 1971; Madrid, em 1973; e Salamanca de novo, em 1990). Depois dedicou-se à Tecnologia Educativa (1992) e à Psicologia da Educação (1995), ambas em Aveiro. Aprofundou também a Metodologia e Espiritualidade, sob orientação da Equipa Internacional do Movimento por um Mundo Melhor (Cali, Colômbia, 1976, e Valladolid, Espanha) e fez estudos bíblicos e investigação arqueológica na Terra Santa (Israel, Palestina, Jordânia e Península do Sinai, no Egipto).

 

Muito antes do Papa Francisco

Padre Georgino Rocha, Aveiro

Georgino Rocha deixou duas dezenas de livros e centenas de textos publicados. Foto: Direitos reservados

 

O padre Georgino, como era conhecido, deixou duas dezenas de livros publicados, além de centenas de textos em jornais e revistas. Neles debatia e reflectia sobre a sociedade, a Igreja Católica e a sua missão, a renovação do cristianismo, aspectos do pensamento dos diferentes papas. Nos seus textos, aliava sempre a preocupação pela leitura da realidade à proposta de acção da Igreja que abarcasse as dimensões pastoral, social, espiritual e mística. Essa reflexão propunha ainda a dimensão comunitária, partindo da base, centrada na participação do maior número de pessoas, no caminho sinodal (ou seja, participativo e inclusivo) e no aprofundamento bíblico – tudo isto muito antes do Papa Francisco e de muitas das suas propostas.

Várias dessas propostas e intuições estão enunciadas e aprofundadas em livros como Paróquia e Unidades Pastorais (2008), Aprender com o Povo a Alegria Sã do Evangelho (2018), Igreja Sinodal. A alegria da missão na sociedade secularizada (2015) ou Crescer na Fé e Anunciar a Alegria do Evangelho (2014). Num cartoon que reproduziu na sua página no Facebook, vê-se um jovem a entreabrir uma porta de uma igreja e a dizer para uma criança ao seu lado: “Vem, olha… a igreja está cheia de gente que pede a Deus que faça o que eles devem fazer.” Georgino Rocha escreve: “Oportuna verificação.”

Com tal currículo académico e pastoral, Georgino Rocha foi um sério “candidato” a exercer cargos nacionais – ou, mesmo, a ser chamado para bispo. No entanto, preferiu sempre manter-se na diocese onde chegou a ser o responsável diocesano da pastoral, entre 1973 e 1999, e, depois, pró-vigário-geral, tendo trabalhado directamente com os bispos Manuel de Almeida Trindade, António Marcelino e António Francisco dos Santos. Ao mesmo tempo, concretizava a dimensão nacional da sua visão através de cursos, actividades e projectos de renovação propostos pelo Movimento por um Mundo Melhor (hoje Serviço de Animação Comunitária), com o qual trabalhou também durante as últimas três décadas do século XX, e do qual chegou a ser director do Grupo Promotor português.

Ordenado presbítero na Sé de Aveiro em 1964, pelo bispo Almeida Trindade, Georgino Rocha juntou ao seu percurso académico várias responsabilidades eclesiais, sobretudo em Aveiro, mas também no ensino universitário. Entre múltiplas responsabilidades, foi assistente da Acção Católica Operária e dos Cursos de Cristandade, da Comissão Diocesana da Cultura e da Comissão Justiça e Paz, director da revista Igreja Aveirense, professor na Universidade Católica Portuguesa e em vários institutos superiores de ensino teológico.

 

Missões, Facebook e capacidade de escuta

Georgino Rocha, igreja católica

Cartoon de Agustin (Kiko) de la Torre sobre a Igreja publicado pelo padre Georgino Rocha com o comentário “Oportuna verificação” na sua página no Facebook.

 

Durante vários anos, o padre Georgino decidiu também dedicar as suas férias de Verão à experiência da missionação em Angola. Dizia, aliás, com frequência, que por ele dedicaria a sua vida às missões. E sobre esse trabalho deixou muitos relatos e reflexões em textos de jornal ou em livros como Clarões de Esperança: Intervenção social cristã (2011), Sementes de Paz (1997, dois volumes), e Angola, reconciliação e solidariedade (1993).

A par dessa experiência, nunca deixou de olhar para a realidade social e política e de, a propósito dela, reflectir sobre o papel da Igreja – que, na sua perspectiva, deveria estar sempre atenta à mudança para responder de forma cada vez mais atenta com a proposta do Evangelho. Num dos textos de Clarões de Esperança, ao falar sobre a crise económica pós-2008, escrevia: “A Igreja, ao verificar como estão em jogo a pessoa e os direitos fundamentais que explicitam a sua dignidade, há-de posicionar-se (…) defendendo propostas que eliminem ou atenuem os sacrifícios das pessoas e das classes mais desfavorecidas, reforcem a participação de todos, desenvolvam a solidariedade entre os grupos socioprofissionais, fomentem a cooperação no âmbito nacional e internacional.”

Apesar de todo o seu saber e fazer, Georgino Rocha relativizava aquilo que fazia. Dizia que, depois de cursos, debates, reuniões, conferências ou outras actividades, competia aos grupos e comunidades fazer a sua parte, trilhar caminhos novos, inventar propostas. O seu trabalho pessoal era lançar sementes – “até que Deus queira”, repetia, sorrindo, insistindo na mesma ideia quando se falava na saúde, que desde há anos o deixara fragilizado com vários problemas, contra os quais ele ia resistindo.

No Facebook, onde também era um interventor frequente até há poucos meses, fazia rede com pessoas de todas as gerações, incluindo muitos jovens. Com todos eles estabelecia diálogo, sempre com o intuito de passar a sua mensagem, centrada no Evangelho. Muitos, mesmo os mais novos, elogiavam-lhe a capacidade de escuta pessoal e de estabelecer amizade. Na família, entendia que tinha a missão de servir de cola, promovendo oportunidades de encontro entre os seus membros.

A 12 de Março, numa das últimas publicações na sua página do Facebook, foi buscar uma citação do padre Vítor Gonçalves, de Lisboa: “Não é a cruz que salva, mas o amor que nela foi e é crucificado. Não nos especializemos em fazer cruzes, mas em viver do amor até ao fim, que é o de Jesus. Nas coisas simples e profundas de cada dia, na atenção ao essencial, no esforço e no trabalho que elevam, na dedicação e não na burocracia. Onde existem cruzes que merecem receber o amor que atrai!”

Nas coisas simples ou nas mais importantes, Georgino Rocha fez dessa atenção ao essencial o seu centro.

 

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