Jesuítas na Índia e na Costa Oriental de África

Gonçalo da Silveira: um missionário da primeira globalização

| 24 Abr 2023

Gonçalo da Silveira – Um Missionário da Primeira Globalização é o título do livro de Manuel Maria Vilas-Boas Tavares, jurista e consultor jurídico, que se dedicou entretanto a investigar a figura do missionária jesuíta do século XVI, fazendo dele o tema de uma tese de mestrado.

No livro, o autor retrata o contexto do que foi a relação estabelecida entre a nova Companhia de Jesus e a Coroa portuguesa, fala do trabalho realizado pelos jesuítas na Índia e, depois, na costa oriental de África e do que foi o papel de Gonçalo da Silveira (1526-1561). O impacto da morte de Silveira na Companhia de Jesus e no Império Português é também analisado na obra.

É desse livro, que agora chega às livrarias, que o 7MARGENS publica a seguir o prefácio, da autoria de João Paulo Oliveira e Costa, professor da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa.

 

Uma figura heroica e trágica da missionação

A Igreja de São Roque, em Lisboa, no século XVIII. Pormenor de painel de azulejos no MNA. Foto © Manuel Vilas-Boas Tavares.

 

A exploração do oceano, iniciada pelos portugueses em 1434, alterou profundamente a vivência da humanidade. Com efeito, os Descobrimentos não foram apenas uma série de navegações aventurosas que proporcionaram novos conhecimentos e novos negócios aos europeus. Ao entabularem relações com as populações costeiras dessas linhas de costa e ilhas que iam sendo encontradas, os portugueses e os europeus que os seguiram, descobriam e davam-se a descobrir. O espanto foi recíproco, como a documentação coeva demonstra de modo indiscutível. Sociedades que viviam dispersas foram arrancadas do seu isolamento e confrontadas com um mundo complexo e diversificado que ninguém imaginara até ao início do século XV. Passado um século sobre a viagem pioneira de Gil Eanes, que venceu o medo de uma civilização ao passar o cabo Bojador, a elite europeia e muitos indivíduos da Ásia, África e América, já tinham vislumbrado os novos mapas em que estavam agora desenhados três oceanos e quatro continentes. Ainda faltava incorporar as terras da Oceânia neste mundo em globalização, mas a revolução epistemológica que tocou a todos estava consumada. Pela primeira vez, um punhado de seres humanos tinham consciência da grandeza e das linhas gerais da configuração do planeta em que habitavam.

Por isso, no final do século XVI, os japoneses, por exemplo, retratavam o desembarque dos portugueses em Nagasaki e mostravam africanos e jovens asiáticos vestidos como os europeus, mais animais e objectos menos conhecidos, vindos de todas as partes do mundo, como o pavão, animal indiano desconhecido no país do sol nascente até à chegada dos Portugueses. O processo de descarregar fardos, potes ou gaiolas remete-nos para o comércio global que atravessava os oceanos e que se entranhava a partir das linhas costeiras para o interior dos continentes. A par dos mercadores, na maior parte dos casos, também desembarcavam missionários, como podemos ver igualmente nesses extraordinários biombos namban, assim como noutros registos, como as pinturas mogores, realizadas na mesma época no Norte da Índia.

À semelhança do Budismo e do Islão, o Cristianismo aproveitou sempre as “boleias” do comércio e dos avanços imperiais para se propagar até novas paragens, cumprindo, assim, a sua vocação universalista. Desde os primeiros avanços dos navegadores portugueses, a Igreja Católica assumiu esse movimento como sendo igualmente seu, e a monarquia proclamou sempre a dimensão religiosa da Expansão. Convictos das suas obrigações, crentes de que estavam a melhorar o mundo e cientes de que a conversão dos povos traria benefícios para a coroa, quer do ponto de vista militar quer do económico, os reis portugueses assumiram os direitos e os deveres do Padroado, tendo financiado a viagem e a acção missionária de milhares de clérigos, ao longo dos séculos. A aceitação do Cristianismo aproximou populações de todos os continentes aos portugueses e foi, sem dúvida, um factor fundamental para o crescimento do império, sobretudo na América do Sul, no longo processo de criação do Brasil. Todavia, o começo da missionação militante não coincidiu com o início dos contactos com as populações ultramarinas. Durante mais de cem anos, a coroa só enviou clérigos como capelães de guarnições e fortalezas e só se preocupou com a possibilidade de obter a conversão de chefes locais. Embora a religião cristã se tivesse espalhado originalmente pelos territórios do Império Romano de um modo espontâneo e individualizado, sofrendo inclusive a oposição dos imperadores durante séculos, a perspectiva do século XV estava mais próxima do conceito de dilatação da Fé associada à Cruzada. Tendo alcançado a conversão de todos os chefes europeus e estando a ser atacada perigosamente pelo Islão, em particular pelos Turcos Otomanos, que já dominavam boa parte do sudeste do Velho Continente, a cristandade só tinha fronteiras com estados islâmicos, pelo que a vontade de evangelizar pacificamente os não cristãos era impraticável, dado que os muçulmanos não o permitiam e ameaçavam com a pena de morte quem se convertesse ao Evangelho.

Foi em 1542, com a chegada de São Francisco Xavier, um dos fundadores da novel Companhia de Jesus, a Goa, que a propagação do Cristianismo pelos Descobrimentos ganhou uma nova dinâmica, pois Xavier não se acomodou dentro dos limites do Estado Português da Índia e dedicou-se ao anúncio do Cristianismo noutras paragens, como o Sul da Índia ou o Japão. O sucesso dessa actividade, especialmente a realizada em solo nipónico, desencadeou um novo movimento missionário, e os Jesuítas logo foram seguidos pelas ordens mendicantes que também intensificaram a sua actividade nas décadas seguintes.

Martírio de frei Gonçalo da Silveira

Cornelius Hazartt, S.J., Martírio de frei Gonçalo da Silveira, gravura de 1668, da colecção Hany/ARSIRR.

A figura de Gonçalo da Silveira, jesuíta que se lançou na evangelização de populações exteriores ao Estado da Índia, mas que interagiam com as redes mercantis do mundo em globalização, encaixa de modo absoluto nestas dinâmicas da História. A sua biografia revela-nos, em primeiro lugar, o fidalgo e a sua linhagem, e também o tempo das reformas e de reestruturação da cristandade, que havia sido ferida e dividida pelo cisma, mas que foi enriquecida pela renovação que afastou razoavelmente a Igreja Católica dos abusos mais escandalosos que haviam sido perpetrados pela realeza e pela aristocracia europeias, quando tomaram de assalto o episcopado e a rede de mosteiros e abadias, ao longo dos séculos XIII a XV.

A biografia de Gonçalo da Silveira confunde-se, pois, com as primícias da Companhia de Jesus e com o tempo complexo, mas fecundo, do Concílio de Trento. A sua vocação religiosa e missionária, levaram-no para o mundo do oceano Índico e para o contacto com outras civilizações. Pela sua importância social, sendo filho de um conde, começou por acompanhar os governadores e vice-reis, mas não lhe bastava ter-se desprendido do conforto da sua pátria e da sua civilização. A vontade de evangelizar atraiu-o a paragens mais remotas e levou-o a internar-se no Zimbabué, onde acabou por perder a vida. Figura heroica e trágica da missionação, religioso determinado em purificar a Igreja, Gonçalo da Silveira merecia há muito um estudo académico que o colocasse entre as personagens conhecidas do seu tempo. Esta dissertação, realizada por Manuel Maria Vilas-Boas Tavares vem, assim, em boa hora, colmatar uma lacuna da historiografia e trazer novas luzes sobre o século XVI, sobre a Companhia de Jesus e sobre a missionação, enquanto dinâmica particular do grande processo da globalização. O trabalho seguro e diligente do autor está nas nossas mãos. É tempo de aproveitá-lo e desfrutá-lo.

 

João Paulo Oliveira e Costa é professor da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa.

 

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