
Gonçalo Ribeiro Telles. Foto CorreiaPM/Wikimedia Commons
“Decano da arquitectura paisagística em Portugal”, agrónomo, antigo deputado e ministro da Qualidade de Vida, primeiro artífice da legislação portuguesa que fundou a política de Ambiente, com destaque para a Reserva Agrícola Nacional e a Reserva Ecológica Nacional e antigo militante dos movimentos da Acção Católica Rural, Gonçalo Ribeiro Telles morreu nesta quarta-feira, 11 de Novembro. Tinha 98 anos, completados em Maio, e uma vida de dedicação à causa pública e ambiental. O Governo decretou um dia de luto nacional para esta quinta-feira.
Conhecida também a defesa que fazia do regime monárquico – foi fundador do Partido Popular Monárquico (PPM) –, foi, no entanto, pela sua preocupação ambientalista e de relação saudável entre ocupação humana e espaço urbano que a sua acção política e cívica mais se destacou (numa segunda etapa, viria a fundar o Movimento Partido da Terra). Aliás, para ele, o confronto rural/urbano não fazia sentido e foi nesse horizonte que sempre trabalhou.
Essa preocupação já a tinha há muito: em 1967, contestou publicamente a (falta de) política urbanística e do ordenamento do território que acabaria por estar na origem da tragédia das cheias de 1967 na região de Lisboa. Um ano antes, no número 34/35, da revista O Tempo e o Modo, feita por intelectuais católicos, o arquitecto publicara um artigo sobre “A cidade e a natureza viva”, onde já defendia o equilíbrio dos espaços urbanos, contra a invasão do betão – uma das suas lutas, a par da oposição à “eucaliptização” do país e às monoculturas florestais ou agrícolas.
Duas décadas antes, em 1946, escrevia, no jornal mensal O Arado. Voz dos Campos de Portugal, da Juventude Agrária Católica: “É a Família o núcleo fundamental da sociedade em que vivemos, sendo portanto a casa o seu complemento indispensável e a mais importante cadeia que liga o homem à terra que trabalha. A ela devemos pois ligar grande parte da nossa atenção e carinho, procurando que seja o alegre refúgio após um dia de labuta. (…) Um pequeno livro há pouco aparecido traz a verdadeira definição: ‘Uma casa rural é o elemento básico do bem-estar, alegria e prosperidade do trabalhador, o grande meio para a fixação à terra, para que reviva a tradição das famílias rurais’.”
Contra a ditadura, homem de dimensão humanista
Nascido em Lisboa, em 25 de Maio de 1922, Gonçalo Ribeiro-Telles licenciou-se em Engenharia Agrónoma. Iniciou na Universidade de Évora as licenciaturas de Arquitectura Paisagista e Engenharia Biofísica, tendo sido professor catedrático da mesma Universidade entre 1976 e 1992. Enquanto paisagista, a sua obra mais conhecida são os jardins da sede da Fundação Calouste Gulbenkian, em Lisboa e muitas das suas ideias percursoras estão plasmadas no seu primeiro livro, A Árvore em Portugal, escrito com Francisco Caldeira Cabral, sucessivamente reeditado e esgotado.
Na biografia na página Antifascistas da Resistência, no Facebook, Helena Pato lembra que desde jovem Ribeiro Telles se envolveu em movimentos de oposição ao regime do Estado Novo. “Monárquico católico com quem republicanos e agnósticos ou ateus dialogaram sempre amistosamente, na luta contra a ditadura”, “muito respeitado pela sua seriedade, é conhecido (…) também pela sua dimensão humanista e disponibilidade para partilhar conhecimentos.”
Ribeiro Telles “foi o grande mentor ideológico de uma política de paisagem, que se desenvolveu em Portugal na década de 60 [ainda antes de outros países], procurando uma relação íntima entre a Cultura e a Natureza”, deixando a sua marca na política do ambiente, no ordenamento do território, e na introdução em Portugal de conceitos como ecologia, biodiversidade ou recurso finito, escreve Helena Pato. “Devemos-lhe jardins urbanos aprazíveis, as hortas urbanas, a protecção legal da reserva natural e dos parques naturais, e também a frontal denúncia dos empórios do betão, da celulose e da energia.”
Essas várias dimensões de um homem multifacetado são tratadas na exposição O Mester da Paisagem, inaugurada no final de Junho e que é possível ver até 30 de Dezembro na igreja de S. José dos Carpinteiros e na Casa dos 24 (Rua de São José, na esquina com a Rua da Fé, em Lisboa), que procura mostrar precisamente “a obra e mestria de pensar e trabalhar a paisagem de Ribeiro Telles”. Um pensar que esteve muitas vezes à frente do seu tempo, como escrevia há pouco tempo no Público o arquitecto paisagista Fernando Santos Pessoa, colega, amigo e autor de uma fotobiografia de Ribeiro Telles e de uma selecção de Textos Escolhidos. E que destacava que as lutas do “marcaram a sociedade portuguesa”, com o seu carácter de “dignidade, a sabedoria e a humildade inata”.
Manifestos católicos, grupos monárquicos

A biografia escrita por Helena Pato, atrás citada, refere também o percurso de Ribeiro Telles nos movimentos católicos – muitas vezes cruzado com a oposição política à ditadura do Estado Novo. Membro fundador da Juventude Agrária Católica (hoje Juventude Agrária e Rural Católica), Gonçalo Ribeiro Telles envolveu-se, em 1959, na chamada Revolta da Sé, quando também subscreveu, “com mais quatro dezenas de católicos – entre os quais Francisco Sousa Tavares, João Bénard da Costa, Nuno Teotónio Pereira e Sophia de Mello Breyner Andresen –, uma carta dirigida ao Presidente do Conselho, Salazar, na qual se denunciavam os métodos da PIDE”.
Assinaria ainda o “Manifesto dos 101”, que congregava 101 católicos no apoio às posições da Oposição Democrática e, em 1958, apoiou a candidatura presidencial de Humberto Delgado.
Em simultâneo, Ribeiro Telles envolveu-se ou ajudou a criar vários grupos monárquicos, o que culminaria, depois de 25 de Abril de 1974 e da instauração da democracia em Portugal, com a criação do Partido Popular Monárquico (PPM), a cujo directório presidiu. Exerceu as funções de deputado e teve cargos em vários governos, incluindo, entre 1983-85, o de ministro de Estado e da Qualidade de Vida. O artigo 66 da Constituição da República diz, no ponto 1, algo que se fica a dever também ao ambientalista: “Todos têm direito a um ambiente de vida humano, sadio e ecologicamente equilibrado e o dever de o defender.”
Paisagens e marchas que devemos a Ribeiro Telles
Foi na qualidade de ministro que “criou as zonas protegidas da Reserva Agrícola Nacional, da Reserva Ecológica Nacional e lançou as bases do Plano Director Municipal.” Em 1984 ainda fundou o Movimento Alfacinha, para se candidatar à Câmara Municipal de Lisboa, sendo eleito como vereador.
Além dos jardins da Gulbenkian (pelos quais recebeu o Prémio Valmor, em 1975), e entre muitos outros, Ribeiro Telles desenhou o projecto de estrutura verde para a cidade de Nova Lisboa (actual Huambo, Angola) ainda em 1970, o plano de urbanização do Vale das Abadias e do Galante (Figueira da Foz, em colaboração com Alberto Pessoa) o planeamento da zona de Quarteira-Albufeira e da ilha de Armona, no Algarve (em colaboração com o arquitecto Frederico George), o Jardim do Tanque Palácio de Mateus (Vila Real, 1960) e o Jardim Amália Rodrigues (Lisboa, 1996). Defensor e impulsionador da ideia das horas urbanas, entre 1998 a 2002 coordenou na Câmara Municipal de Lisboa uma equipa técnica responsável por projectos relativos às estruturas verdes do Vale de Alcântara e Radial de Benfica, Vale de Chelas, Parque Periférico, Corredor Verde de Monsanto e Integração na Estrutura Verde Principal de Lisboa, e da Zona Ribeirinha Oriental e Ocidental.
Já com 90 anos, e apesar de ter trabalhado sempre em Portugal, recebeu, em 2013, o prémio Sir Geoffrey Jellicoe, atribuído na Nova Zelândia, considerado o nobel do paisagismo, como recorda o Público. Onde também se recorda que, no documentário de 2013, Em Nome da Terra, Gonçalo Ribeiro Telles dizia: “A inquietação tem que existir. Todos estamos numa marcha. Em que altura da marcha estamos, não sei”.