
Bairro de Al-Kallasah em Alepo, na Síria, severamente afetado pelo terramoto de 6 de fevereiro. Foto © Acnur / Hameed Maarouf.
“O governo sírio e os grupos armados da oposição apoiados pela Turquia devem deixar de obstruir e desviar a ajuda humanitária destinada a aliviar o sofrimento de dezenas de milhares de civis em Alepo”, cidade síria que já se encontrava devastada por uma década de conflito e desde há um mês sofre também com as consequências dos terramotos. O apelo é feito pela Amnistia Internacional (AI), num comunicado divulgado esta terça-feira, 7 de março.
Só “entre 9 e 22 de fevereiro, o governo sírio bloqueou pelo menos 100 camiões que transportavam ajuda essencial, como alimentos, material médico e tendas, impedindo-os de entrarem nos bairros da população de maioria curda da cidade de Alepo”, denuncia a AI.
Durante o mesmo período, “grupos armados da oposição apoiados pela Turquia, que fazem parte de uma coligação armada, o Exército Nacional Sírio (SNA), bloquearam também a entrada de pelo menos 30 camiões de ajuda em Afrin, uma cidade do norte de Alepo ocupada pela Turquia”, acrescenta a organização, explicando que, em ambos os casos, a ajuda foi enviada pelas autoridades curdas, com as quais tanto o governo sírio, como os grupos armados apoiados, têm vindo a lutar pelo controlo do território no norte da Síria. Os camiões esperaram na passagem da fronteira entre o nordeste da Síria e o norte de Alepo durante sete dias e acabaram por ser enviados de volta.
“Os terramotos empurraram dezenas de milhares de pessoas em Alepo que já lutavam devido a um conflito armado de uma década para uma miséria acentuada. Contudo, mesmo neste momento de desespero, o governo sírio e os grupos armados da oposição têm-se aproveitado de considerações políticas e da miséria das pessoas para avançar com as suas próprias agendas”, afirma Aya Majzoub, subdiretora da Amnistia Internacional para o Médio Oriente e Norte de África.
Relatos e vídeos confirmam politização da ajuda
A Amnistia Internacional entrevistou 12 pessoas, incluindo sobreviventes e trabalhadores humanitários no Norte e Nordeste da Síria, um membro de uma organização de direitos humanos síria e um representante da Administração Autónoma do Norte e Leste da Síria (AANES).
Um trabalhador humanitário a operar no nordeste da Síria referiu que “a obstrução da ajuda é puramente política. A Turquia e o Exército Nacional Sírio descobriram que politizar a ajuda é mais importante do que o combustível para chegar aos Capacetes Brancos e a outros que estavam desesperados para acelerar os seus esforços de busca e salvamento”.
A Amnistia Internacional verificou ainda detalhes de um vídeo filmado após o terramoto, em Jinderes (cidade a 20 km de Afrin), mostrando pessoas que se acredita serem da polícia militar do SNA a disparar no ar para dispersar uma multidão de pessoas que tentavam retirar caixas de ajuda do camião de uma organização humanitária.
Uma organização síria de direitos humanos confirmou os relatos que chegaram à AI e acrescentou ainda que “grupos armados pressionaram as equipas de busca e salvamento a dar prioridade às casas das suas famílias e parentes e obrigaram os comboios que atravessavam o nordeste, sob o controlo dos curdos, a renunciar a 40% da ajuda humanitária como condição para passar para áreas sob o seu controlo”.
Um mês após os sismos de 6 de fevereiro que atingiram o sudeste da Turquia e o norte da Síria, com uma magnitude de 7,7 e 7,6, respetivamente, a ONU estima que pelo menos seis mil pessoas na Síria tenham morrido e mais de 8 milhões de pessoas necessitem de assistência urgente, incluindo 4,1 milhões de pessoas em áreas detidas pela oposição no norte da Síria e 4 milhões de pessoas em áreas detidas pelo governo.