
Nesta quinta-feira, alguns católicos vão à porta do palácio de São Bento entregar os exemplares da encíclica dirigidos a cada um dos 230 deputados. Foto: Direitos reservados.
Um grupo de católicos irá nesta quinta-feira, 7 de Janeiro, à porta do Parlamento, entregar a cada um dos 230 deputados um exemplar da encíclica Fratelli Tutti, publicada em Outubro pelo Papa Francisco, soube o 7MARGENS em primeira mão.
“A ideia nasceu a partir de um pequeno grupo de pessoas não-católicas com quem me encontro de vez em quando e que fez rasgados elogios à encíclica”, explica Eugénio Fonseca, um dos principais dinamizadores da ideia.
Quando percebeu esse facto, pensou: “Dado o conteúdo e o impacto que a encíclica do Papa pode ter em ordem à intervenção social, porque não reunir um grupo de católicos que, em nome próprio, oferecessem o texto àqueles que estão mandatados pelo povo?”
Várias pessoas disponibilizaram-se para comprar 339 exemplares do texto – além dos 230 deputados, também os membros do Governo (ministros e secretários de Estado) são visados pela iniciativa que, sublinha o presidente da Confederação do Voluntariado e ex-presidente da Cáritas Portuguesa, não é feita em nome de qualquer instituição, mas apenas de crentes enquanto tais.
Para já, está marcada a recepção por parte dos deputados, depois de a data e a forma de entrega terem sido articuladas com a secretaria-geral da Assembleia da República. Por causa da pandemia, representantes dos diferentes grupos parlamentares e os deputados individuais estarão, às 14h30 desta quinta-feira, antes do plenário parlamentar, no átrio exterior da entrada principal do Parlamento para receber os exemplares destinados a cada deputado, que serão entregues por um pequeno grupo dos dinamizadores.
Para arranjar o dinheiro necessário para a compra dos livros, os dinamizadores recorreram a pedidos de apoio, que foram correspondidos por dezenas de pessoas. Além dos exemplares entregues aos deputados e daqueles que estão destinados aos membros do Governo, sobram para já 37 exemplares, que Eugénio Fonseca diz que se irá pensar o que fazer com eles.
Entre as pessoas que participam na iniciativa, estão Manuela Eanes, a escritora Alice Vieira, a reitora da Universidade Católica, Isabel Capeloa Gil, o antigo dirigente do CDS José Ribeiro e Castro, bem como a antiga deputada Maria do Rosário Carneiro ou o jurista Pedro Vaz Patto, presidente da Comissão Justiça e Paz.
Envolvimento na política

Marcelo Rebelo de Sousa, em Março do ano passado, entregando a medalha póstuma da Grã-Cruz da Ordem da Instrução Pública, atribuída a Manuela Silva, que intervinha na política e na economia fundamentando-se na sua fé católica. Foto: Direitos reservados.
A encíclica Fratelli Tutti (“Todos irmãos”) foi assinada pelo Papa Francisco, em Assis, dia 3 de Outubro, e divulgada no dia seguinte. O texto é uma síntese do pensamento social e o testamento político do Papa, onde se desenvolvem as ideias da fraternidade e da amizade social. Nela, Francisco traça um diagnóstico dos grandes problemas do mundo: migrantes e refugiados, populismos, racismo, novas escravaturas, tráfico de seres humanos, violência sobre mulheres e crianças, pena de morte – e também a emergência climática e o drama ecológico, já tratados de forma aprofundada na encíclica Laudato Si’, de 2015.
Ressalta da encíclica a insistência do Papa na necessidade de os cristãos se envolverem na política. O documento, como resumia o 7MARGENS em Outubro, propõe que a fraternidade e a amizade social sejam lidas com chaves como o respeito pelos direitos humanos, a busca da paz, a proposta da amabilidade, a valorização da função social da propriedade ou o perdão. E faz sugestões concretas como a da eliminação da pena de morte no mundo, a constituição de um fundo contra a fome financiado pelas despesas militares, do fim das armas nucleares e da prisão perpétua, a reforma “quer da Organização das Nações Unidas quer da arquitectura económica e financeira internacional, para que seja possível uma real concretização do conceito de família de nações”.
Na fundamentação teológica e espiritual do tema, o Papa Francisco toma a parábola do bom samaritano, sobre o homem vítima de assaltantes que é ajudado por um samaritano, símbolo de alguém proscrito pelos judeus, depois de dois religiosos do tempo terem passado ao largo, sem ajudar.
“Esta parábola é um ícone iluminador, capaz de manifestar a opção fundamental que precisamos de tomar para reconstruir este mundo”, escreve o Papa. “Diante de tanta dor, à vista de tantas feridas, a única via de saída é ser como o bom samaritano. Qualquer outra opção deixa-nos ou com os salteadores ou com os que passam ao largo, sem se compadecer com o sofrimento do ferido na estrada.”
Num comentário escrito em exclusivo para o 7MARGENS, o Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, considerava a Fratelli Tutti como “um grito brutal e, ao mesmo tempo, a expressão de um poder mobilizador” e um documento “de uma coragem ilimitada”.
Um “grito brutal” por “denunciar as misérias, as injustiças, as prepotências, os egoísmos, os isolacionismos, as explorações, os individualismos desumanizadores, os populismos fechados e redutores, as barreiras intoleráveis aos direitos das pessoas e dos povos, às migrações, a incompreensão do mundo do trabalho e dos trabalhadores”. E um “poder mobilizador” por “apelar à esperança e à luta pela paz contra a guerra, pelo diálogo contra o monólogo, pela globalização com alma contra a globalização dos interesses e dos poderosos, pela convergência entre religiões contra o choque entre culturas e civilizações”.