É necessária uma “reverendíssima reforma” do clero, bem como do processo de escolha dos bispos ou do lugar das mulheres na Igreja, propõe um grupo sinodal de Braga e Guimarães no seu contributo para a maior auscultação alguma vez feita à escala planetária, lançada pelo Papa Francisco, para preparar a assembleia do Sínodo dos Bispos de 2023. Esse coro imenso de vozes não pode ser silenciado, reduzido, esquecido, maltratado. O Espírito sopra onde quer e os contributos dos grupos que se formaram para ouvir o que o Espírito lhes quis dizer são o fruto maduro da sinodalidade. O 7MARGENS publica alguns desses contributos, estando aberto a considerar a publicação de outros que queiram enviar-nos.

“Gostaríamos de participar numa Igreja apostada na unidade, mas assente na pluralidade de formas de concretização.” Ilustração: synodresources.org.
Este grupo nasce de crentes da Arquidiocese de Braga, mulheres e homens dos meios operários e intelectuais, com profissões nas indústrias têxteis, no comércio, nos serviços e na educação e ensino superior, que tiveram ou têm responsabilidades de diferente natureza na vida da comunidade eclesial, mas que, por diferentes razões e circunstâncias, se encontram maioritariamente distantes de dinâmicas paroquiais.
O grupo realizou quatro encontros por Zoom, entre 27 de janeiro de 2022 e 5 de abril, com um número médio de entre 12 e 17 pessoas, de meios e idades diversas. Os encontros iniciaram- se com uma apresentação breve de cada um(a) e a oração do Sínodo, seguida de leitura do Novo Testamento (recorreu-se na primeira fase ao episódio dos discípulos de Emaús e, na segunda, às Bem-aventuranças).
Dada a natureza do grupo, entendeu-se realizar o percurso sinodal em dois tempos:
- a) Na primeira parte, uma partilha e escuta sobre “como procuramos viver a fé em Jesus, referenciados ao Evangelho, e como vemos/vivemos a vida da Igreja, a sua presença/ausência na vida das pessoas e da nossa sociedade”.
- b) Na segunda parte, pusemo-nos em atitude de “imaginar a Igreja” com que sonhamos, não apenas daquilo que achamos que outros devem fazer, mas daquilo que seria capaz de nos mobilizar também.
A partir da vivência da fé, como vemos e sentimos a Igreja
- O grupo quer começar por saudar e agradecer a iniciativa do Papa Francisco de lançar este Sínodo e de nos convocar para a sinodalidade, começando por dar a palavra a todo o Povo de Deus. Trata-se de um caminho que todas as igrejas locais são chamadas a prosseguir, já que a sinodalidade, mais do que um tema a debater, é uma prática e um modo de ser Igreja que importa construir e continuar.
- Avaliando o percurso feito por cada membro do grupo, é justo salientar e agradecer também o quanto muitos de nós devem à Igreja e, nela, a pessoas concretas que marcaram o nosso caminho com a sua presença e testemunho de disponibilidade e generosidade. Isto significa reconhecer o muito que a Igreja já faz de positivo, nos vários setores em que atua.
- Mas é necessário e urgente reconhecer também que a Igreja, em lugar de testemunhar e anunciar o Reino de Deus, que é um reino de justiça, de amor e de paz, em muitos casos se anquilosou, se fechou sobre si mesma e se clericalizou. Apesar das esperanças do Concílio, nela persiste ainda uma lógica hierárquica (top-down) que menoriza os leigos, e particularmente as mulheres, não promovendo nem incentivando a sua formação, capacitação e participação em todos os domínios.
- Por outro lado, o clero, que é cada vez menos, mais velho e distante das problemáticas das jovens gerações, vive em condições que são cada vez mais penosas. Os padres multiplicam- se em atividades pastorais, com poucas condições de preparar bem o que fazem, em particular, as homilias, e, sobretudo, de atender e estarem próximos das pessoas que deles precisam. Mas, ao mesmo tempo, sendo poucos, vêem-se cada vez mais a ocupar cargos e funções que manifestamente não são centrais ao seu ministério e que bem podiam ser ocupados por leigas e leigos, como sejam as aulas, a direção e gestão de obras sociais, a direção de meios de comunicação social, presidência de órgãos e cargos na vida normal das comunidades cristãs, etc.
- O escândalo dos abusos sexuais e o modo como a Igreja hierárquica – Papa, bispos e padres – lidou com o problema, até tempos recentes, continuam a desacreditar a Igreja e a desacreditar o trabalho e a dignidade de tantos padres que se entregam generosamente às atividades próprias do seu ministério.
- As liturgias, especialmente a Eucaristia, tornaram-se, em muitos casos, espaços rotineiros, onde as leituras são mal lidas e as homilias são pouco preparadas. Além disso, nessas liturgias, a vida real das pessoas e das comunidades dificilmente é rezada e celebrada, os “sinais dos tempos” não penetram e falta a “alegria do Evangelho” e o incentivo ao compromisso com o bem comum e com a criação.
- A par de manifestações e linguagens que remetem para a “língua morta” que “fala apenas de si mesma e a si mesma”, sem “despertar no coração das pessoas o desejo de caminhar ao encontro de Deus”1, sente-se em muitas comunidades uma atitude de exclusão das pessoas e realidades que são diferentes dos padrões ditos normais, com base num perfil muito redutor de cristão, evitando desse modo confrontar-se, escutar e acolher quem anda à procura de sentido e que traz, sobretudo, perguntas e, porventura, provocações.
- Apesar das pistas e desafios que a encíclica Amoris Laetitia veio lançar, as posições sobre moral individual, nomeadamente nos temas relacionados com a moral sexual, são frequentemente anacrónicas e movidas pelo preconceito, designadamente no que toca à orientação sexual e identidade de género e a questões onde não se reflete a pluralidade de posicionamentos que existe na Igreja, como a fertilização in vitro, o aborto e a eutanásia.
“Imaginar a Igreja” com que sonhamos
Nos encontros sinodais, desdobramos esta segunda parte em três aspetos: Caminhar juntos, mas para onde e como?; que reformas devem ser estudadas, preparadas e introduzidas na Igreja (ao nível da liturgia, dos ministérios, das comunidades…); que tipo de mudanças nos levariam a envolver-nos mais ativamente?
Das partilhas e testemunhos no grupo, sublinhamos os seguintes aspetos:
- É importante continuar a valorizar aquilo que a Igreja já realiza de positivo, ainda que minoritário: em muitos casos revela dedicação, preparação, cuidado com as pessoas, criatividade. O trabalho no campo social ou a presença em momentos importantes da vida de cada um(a), das famílias, das comunidades, devem ser apreciados. Também as inovações e buscas que se têm ensaiado na formação dos novos padres são de reconhecer e continuar.
- A formação contínua de leigas e leigos merece ser uma prioridade pastoral que valha por si mesma e não por haver falta de padres, para que possam assumir responsabilidades na e a partir da comunidade. Torna-se fundamental estudar modos de apoiar e motivar as pessoas para essa formação, ligando-a, na medida do possível, à vida e fazendo dela uma preparação para a (e avaliação da) ação na comunidade e na Igreja.
- É preciso cuidar e investir no surgimento de pequenas comunidades na grande comunidade, como forma de viver, partilhar e testemunhar o evangelho, a partir da vida e das necessidades e anseios das pessoas.
- As celebrações litúrgicas e outros rituais e cerimónias devem ser expressão e incentivo à fraternidade e ao acolhimento, centradas nos valores do Evangelho e não na ostentação, na vaidade de alguns ou mesmo na competição com comunidades vizinhas.
- A vida das comunidades e paróquias deve pautar-se por uma cultura de encontro, acolhimento e escuta de todos, sem exceção, com pessoas preparadas, investidas e dedicadas a esse ministério e com tempos e espaços adaptados para esse fim. Ter em especial atenção os mais pobres, os mais jovens, os mais velhos, os migrantes e refugiados, as pessoas que se assumem como diferentes do ponto de vista do género e orientação sexual, os divorciados recasados…
- É fundamental apostar nos conselhos pastorais, dinamizados por padres ou leigos, onde se construam projetos comuns, de forma participada e com objetivos e metas. O processo normal de escolha deve ser a eleição e os cargos devem ter duração limitada.
- A credibilidade da Igreja edifica-se no vigor e coragem do testemunho dos seus membros, mas também na adoção de práticas institucionais de transparência e de prestação regular de contas (incluindo na angariação e gestão de recursos económicos e financeiros).
- O clero, o seu estatuto e lugar na comunidade carecem de uma “reverendíssima reforma”, parafraseando S. Bartolomeu dos Mártires. Tudo deve ser revisto, desde o que se tem chamado pastoral das vocações, à relação com o conjunto dos ministérios (tradicionais e novos); o tipo de formação; as condições de exercício, incluindo a disciplina do celibato obrigatório.
- Os bispos são frequentemente vistos como figuras do poder e da pompa e não de pastores próximos das comunidades e dos padres e outros ministérios. Devem ser claros para as comunidades os critérios da sua escolha, envolvendo os leigos, diáconos e padres nesse processo. Importa, nesta linha, tomar medidas para acabar com o secretismo na sua nomeação.
- Consideramos serem frágeis e cada vez mais anacrónicos os argumentos invocados pelo poder clerical para afastar as mulheres de todos os lugares e ministérios da Igreja que são reservados aos homens. Pelo contrário: há todas as razões para que a Igreja possa contar com o contributo dessa metade da humanidade, tornando-se cada vez mais motivo de escândalo manter o atual status quo.
- Gostaríamos, enfim, de ver e de participar numa Igreja centrada nas propostas evangélicas das bem-aventuranças, e não tanto nas cerimónias e nos rituais, uma Igreja apostada na unidade, mas assente na pluralidade de formas de concretização. A descoberta da alegria do evangelho passa por uma proximidade com todas as pessoas, de dentro e de fora das comunidades, pela atenção às suas vidas e aos condicionalismos que as afetam, sem perder de vista os desafios e sinais dos tempos da sociedade no seu todo.
- Finalmente, correspondendo ao espírito sinodal, queremos dar o nosso contributo para a concretização destes e de outros desafios, e dispomo-nos a estudar a viabilidade de participar na criação de comunidades vivas e abertas que sejam sinal do Reino de Deus na vivência das propostas evangélicas.
15 de abril de 2022, Sexta-feira Santa
Albertina Gomes
Alzira Fernandes
Américo Oliveira
Domingos Cardoso
Eduardo J. Madureira
Fátima Almeida
Filipa Sousa
Helena Martinho
Luís S. Barbosa
Marcelina Gonçalves
Manuel Pinto
Maria do Céu S. Fernandes
Margarida Constantino
Nuno S. Barbosa
Teresa Castro
Teresa Toldy