
Famílias em fuga dos bombardeamentos em Gaza: “É novembro e faltam respostas. Faltam políticas, falta ação. Falta Verbo.”
A guerra é conteúdo digital, enquadrado por música, tipos de letra, efeitos surpreendentes, segundo os requisitos de cada rede social.
O mês de outubro de 2023 trouxe-nos sociedade tecnocrática e tecno-dependente, uma reafirmação identitária. Foi o outono das nossas indecências – de uma enorme capacidade de alienação e da vivência do circo mediático – the show must go on. Somos pessoas que seguem com a sua vida, levando no bolso smartphones prenhes de imagens de crianças bombardeadas.
No final do mês, a 29 de outubro, a organização Save the Children lançou-nos na cara os números desta contagem vergonhosa: 3195 crianças mortas em Gaza em três semanas, um número que ultrapassou a contagem anual dos três anos anteriores, tendo em conta o total dos conflitos em vinte países.
A guerra é um continente de esquecimento.
Em setembro de 2015, a internet encheu-se de reproduções de uma fotografia de Alan Kurdi, o menino curdo sírio que morreu afogado durante a tentativa da sua família de deixar a guerra para trás. Comovemo-nos com aquela criança e esforçámo-nos por formular a questão se seria aquilo o que realmente somos – crianças mortas a irromper em estâncias turísticas.
Por essa altura, artistas palestinianos da Faixa de Gaza recriaram numa estátua de areia a figura do pequeno Alan Kurdi. Uma estátua efémera, localizada numa praia a poucos metros do local onde, em 2014, quatro crianças palestinianas, entre os 9 e os 11 anos, tinham sido mortas num bombardeamento israelita, enquanto jogavam futebol.
No final de setembro de 2023 foram divulgados pela UNHCR dados relativos às mortes no Mediterrâneo no ano corrente: mais de 2500 pessoas foram dadas como mortas ou desaparecidas, na sequência da sua tentativa de chegar à Europa, um aumento de dois terços relativamente ao mesmo período de 2022.
A guerra é o contexto de muitas vidas.
A história de cada pessoa escreve-se com um nome próprio. Na Palestina há crianças com nomes de cidades, vilas e aldeias que as suas famílias se viram obrigadas a abandonar – crianças chamadas Yafa, Bisan, Jeneen, Dalia, Haifa, Banyas, Safad, Eilat, Jaleel, Elia’a e Karmel.
Os territórios perduram nos corpos destas crianças e isso parece continuar a ser entendido como uma ameaça.
Empurradas por circunstâncias várias – e pela guerra, sempre a guerra – centenas de pessoas vão dando à costa na Europa. Demasiadas ficam pelo caminho e por cá quase ninguém lhes faz o luto.
O Missing Migrants Project mapeia, sobre os recortes do Mediterrâneo, pontinhos amarelos que identificam as valas comuns de tanta gente com nome e história.
É novembro e faltam respostas. Faltam políticas, falta ação. Falta Verbo.
Sara Leão é mediadora educativa e formadora de Português Língua Estrangeira.