
Conferência de imprensa final da assembleia: os bispos abriram as portas à mudança. Foto: Direitos reservados
Os bispos franceses anunciaram esta sexta-feira um vasto conjunto de iniciativas e linhas de ação com vista a combater os abusos sexuais na Igreja. Ano e meio depois da apresentação do relatório da Comissão Independente sobre abusos sexuais (CIASE), os bispos quiseram fazer isso em conjunto com todos os setores da Igreja Católica do país e abriram a assembleia da Conferência Episcopal (CEF) à participação de representantes dos fieis, incluindo no seu conselho permanente. Uma assembleia sinodal realizar-se-á de três em três anos, em torno de matérias relevantes para a vida da Igreja e da sociedade.
Para dar desde já o exemplo, os bispos convidaram para esta assembleia plenária de primavera os nove grupos de trabalho que se debruçaram sobre áreas críticas para a construção de uma cultura de transparência, segurança e participação na Igreja. Esses grupos eram presididos por leigos e incluíam todos eles pelo menos um bispo e uma pessoa vítima de abusos. As mesas redondas organizadas em três momentos da semana permitiram ao conjunto dos bispos escutarem e debaterem perto de 60 propostas que lhes foram apresentadas.
Na conferência de imprensa realizada no final dos quatro dias de trabalho, o presidente da CEF, o bispo Eric de Moulins-Beaufort, aludiu à “serenidade discreta”, mas “real e percetível” que caraterizou os trabalhos. Assumiu que esses tempos foram fundamentais, já que permitiram esclarecer mal-entendidos, avaliar as forças necessárias à sua concretização, constatar divergências, fundamentar melhor alguns pontos, sempre com o objetivo de que o serviço da Igreja “seja libertado do peso da violência e da agressão sexual e mais capaz de proclamar a incrível e avassaladora notícia da Ressurreição”.
Em busca de uma “mudança de cultura”

Éric de Moulins-Beaufort: “Vale sempre a pena arranjar tempo para nos esclarecermos uns aos outros.” Foto: Direitos reservados.
“Vale sempre a pena arranjar tempo para nos esclarecermos uns aos outros. (…) As preocupações de uns, as dúvidas de outros, os entusiasmos de terceiros, compõem e alimentam a reflexão de cada um”, congratulou-se o bispo Moulins-Beaufort.
O episcopado francês entendeu que várias das propostas recebidas já tinham começado a ser executadas e várias outras relativas a mais de metade dos grupos de trabalho ganhariam em ser concretizadas pelas estruturas e conselhos especializados da CEF, uma vez assumidas pelos bispos. Assim, as relativas à formação dos futuros presbíteros serão trabalhadas nos seminários; as que dizem respeito à vida e exercício do ministério dos padres serão apresentadas aos conselhos presbiterais; outras que dizem respeito ao apoio e acompanhamento das vítimas serão trabalhadas nos grupos de contacto das dioceses.
Para os bispos é fundamental alargar o leque dos agentes de pastoral envolvidos no processo de refazer aquilo que designam por uma “mudança de cultura”, que é muito mais do que mera “mudança de procedimentos”, afirmam.
Os próprios prelados foram objeto de um grupo de trabalho, presidido por uma mulher leiga, que estudou a melhoria das condições do exercício do ministério episcopal. Entre as medidas que, a este nível, foram aceites, encontra-se a “visita fraterna” e regular que cada bispo receberá e que será realizada por um outro bispo e um leigo. Por outro lado, cada bispo estudará com o seu conselho presbiteral o melhor modo de garantir que cada um dos presbíteros que tem incardinados na sua diocese possa ter um encontro pessoal regular consigo. Foi também reforçada a atenção à formação dos bispos, quer a inicial, nos primeiros cinco anos, quer a formação contínua.
De igual modo, os bispos abriram-se à inclusão de fiéis leigos nos conselhos episcopais. Estes órgãos que, segundo foi referido na conferência de imprensa, não são de existência obrigatória à luz do atual Código de Direito Canónico, serão postos em funcionamento em todas as dioceses, nos novos moldes agora aprovados.
O que os bispos recusaram

Bispos franceses reunidos numa celebração: houve propostas que o episcopado recusou. Foto reproduzida da página oficial da Conferência Episcopal Francesa.
Houve propostas que os bispos não aprovaram. A que instituía a criação de um secretário-geral diocesano, homem ou mulher, cargo dotado de uma mais ampla delegação de competências não foi aceite quer porque há dioceses que já a estão a praticar ou a planear quer porque as dioceses não se encontram em situações comparáveis. O avançar de algumas experiências permitirá, por outro lado, avaliar os benefícios e ajustamentos necessários.
Uma outra proposta recusada sugeria aos bispos que diligenciassem junto da Nunciatura Apostólica para que fosse respeitado um prazo de 48 horas entre o pedido de nomeação de um padre para o episcopado e a sua aceitação, a fim de permitir um espaço para discernimento; na mesma linha, que a nomeação de um novo bispo estivesse publicada durante 48 horas para se tornar efetiva, de modo a permitir que quem tivesse algum motivo de grave impedimento o apresentasse. No primeiro caso, os bispos franceses não quiseram condicionar o núncio; no segundo temeram que um tal prazo suscitasse a delação e comprometesse a dignidade pessoal do indigitado. É a cultura da responsabilidade que deve ser seguida, disse a assembleia episcopal.
A Conferência dos Bispos de França decidiu, nesta assembleia plenária, consagrar algumas alterações significativas ao seu funcionamento – por um lado, para a tornar mais flexível na capacidade de resposta; por outro, para enfrentar as implicações orçamentais do novo modelo. Algumas delas já vinham a ser pontualmente concretizadas, como seja a participação sistemática de fiéis leigos na CEF, incluindo no seu conselho permanente.
Estruturalmente, a reforma aprovada passa por pôr fim às tradicionais comissões, as quais serão substituídas por uma organização em três polos missionários (Anúncio da Fé; Diálogo, Solidariedade e Bem Comum; e Atores da Igreja) e três polos de apoio (Assuntos Temporais; Comunicação; e Assuntos Institucionais e Internacionais). Cada polo será animado por uma instância de orientação e acompanhamento, composta por um bispo eleito pela assembleia, um secretário-geral adjunto coordenador, cinco bispos incluindo um ou dois membros do conselho permanente e cinco pessoas de diferentes estados de vida.
Estilo sinodal e inovações

Presépio em Marcel Callo (Flers, França) alusivo ao Sínodo: uma assembleia de estilo sinodal”, de três em três anos, é uma das inovações agora decididas. Foto: Direitos reservados.
O que talvez seja mais inovador é o modo de funcionamento multiforme destes polos: poderão funcionar com base em equipas nacionais que lideram uma rede, observatórios internos à Conferência ou confiados a uma instituição académica, grupos de trabalho.
Aquela que é talvez uma das mais significativas das medidas adotadas é a proposta de “uma assembleia plenária de estilo sinodal”, a realizar de três em três anos. Os bispos não só acolheram a ideia como a enriqueceram, especificando como será escolhido o tema e como será preparada cada uma das assembleias sinodais. Não será propriamente um sínodo, no sentido rigoroso e canónico do conceito, mas um processo mais em sintonia com a sinodalidade preconizada por Francisco.
Esta assembleia trienal terá um comité de preparação formado por bispos e outros fiéis e as votações, a existirem, terão caráter consultivo, podendo ocorrer no plano geral (todos os participantes) ou por colégios (diferentes qualidades dos membros). Porém, os bispos entenderam recusar a sugestão, vinda do grupo de trabalho, de os leigos, religiosos/as, padres ou diáconos terem um mandato com caráter estável. Mas não fecharam completamente a porta à ideia, admitindo reexaminar o assunto mais tarde.
Uma consequência destas mudanças vai refletir-se na composição do conselho permanente dos bispos. A lógica deixa de assentar na dimensão das dioceses e na idade dos prelados, para passar a basear-se na representação das 16 províncias eclesiásticas e nos responsáveis dos polos.
Estas medidas, relativas à reestruturação da Conferência Episcopal, terão agora de ser submetidas à Santa Sé e só poderão entrar em funcionamento depois de obtido o recognitio (aprovação), passo que o presidente da CEF calcula poder prolongar-se por todo o ano de 2024.
Resta saber a avaliação que farão os leigos dos resultados a que a assembleia plenária do episcopado chegou e que se traduziram em medidas sobre o ministério dos bispos e sobre a reestruturação da CEF, e, em grande parte dos casos, no passar a aplicação das medidas para outras instâncias, nacionais ou diocesanas.