
Papa Francisco durante a sua viagem apostólica ao Canadá, em julho de 2022. A nova declaração “é fruto de um diálogo renovado entre a Igreja e os povos indígenas”. Foto © Vatican Media.
O Vaticano reforçou esta quinta-feira, 30 de março, a sua posição a favor dos direitos dos povos indígenas das Américas, África e Austrália ao repudiar os fundamentos papais do século XV que estiveram na base da posterior “Doutrina do Descobrimento”, formulada para conferir caráter legal à expropriação das terras dos povos indígenas pelo colonos europeus.
A declaração conjunta do Dicastério para a Cultura e a Educação e do Dicastério para o Desenvolvimento Humano Integral, divulgada através do Vatican News, reconhece que as Bulas de Nicolau V “Dum Diversas” (1452) e “Romanus Pontifex” (1455), e [a Bula] de Alexandre VI “Inter Caetera” (1493), visando “autorizar os soberanos portugueses e espanhóis a apoderar-se das propriedades nas terras colonizadas, subjugando as populações originárias”, serviram de fundamento ao desenvolvimento da “Doutrina do Descobrimento”.
Contudo, afirmam agora os dois mencionados dicastérios na sua declaração conjunta, “os documentos papais em questão, escritos num período histórico específico e ligados a questões políticas, nunca foram considerados expressões da fé católica” e “não refletiam adequadamente a igual dignidade e os direitos dos povos indígenas”. Reconhecendo que o seu conteúdo “foi manipulado para fins políticos pelas potências coloniais em competição entre si para justificar atos imorais contra as populações indígenas, por vezes realizados sem a oposição das autoridades eclesiásticas”, a Igreja afirma agora que “é justo reconhecer esses erros, reconhecer os terríveis efeitos das políticas de assimilação e a dor sentida pelos povos indígenas e pedir perdão”.
Os cardeais prefeitos dos dois dicastérios comentaram ambos a declaração conjunta. O cardeal Czerny, prefeito do Dicastério para o Desenvolvimento Humano Integral, deu uma entrevista à Rádio Vaticano. O cardeal Tolentino, prefeito do Dicastério para a Cultura e a Educação, enviou um texto ao Vatican News, em que refere a declaração conjunta como fazendo parte “do que poderíamos chamar de arquitetura da reconciliação, e é também o produto da arte da reconciliação, o processo pelo qual as pessoas se comprometem em ouvir-se umas às outras, falar umas com as outras e crescer na compreensão mútua”. A declaração, continua Tolentino, “é fruto de um diálogo renovado entre a Igreja e os povos indígenas”, para concluir: “É ouvindo os povos indígenas que a Igreja está a aprender a compreender os seus sofrimentos, passados e presentes, e as nossas faltas. Através do diálogo cultural em que estamos envolvidos podemos acompanhá-los na sua busca de reconciliação e cura”.
Na entrevista à Rádio Vaticano, o cardeal Czerny tece diversas considerações sobre como na história recente a Igreja Católica tem acolhido e defendido os direitos dos povos indígenas, salientando, entre outros, o pedido do Papa Francisco “na Bolívia, em julho de 2015” para que “repetindo João Paulo II, a Igreja se ajoelhasse diante de Deus e implorasse perdão pelos pecados passados e presentes dos seus filhos e filhas, pelos muitos pecados graves cometidos contra os povos nativos da América em nome de Deus durante a chamada conquista”.