
Evocação dos bebés e mães maltratados na “Casa da Mãe e do Bebé” de Tuam. Foto: Direitos reservados.
Há meia dúzia de anos houve um achado macabro República da Irlanda: nos baixos de um convento do condado de Tuam, das religiosas do Bom Socorro, foram encontrados cerca de 800 esqueletos de crianças.
O caso, que deixou estarrecida a opinião pública do país e teve ecos internacionais, conjugou-se com os resultados de uma investigação da historiadora Catherine Corless, que trouxe à luz do dia os certificados de óbito de 798 crianças das quais apenas dois se faziam acompanhar de certificado de funeral.
O escândalo foi tanto maior quanto eram já conhecidos, desde o ano anterior, os resultados de uma outra investigação oficial feita às casas de freiras católicas, conhecidas por “Lavandarias da Madalena”. Aqui, tinham sido postas em evidência as condições de trabalho de quase escravatura impostas a mães solteiras internadas dentro daquelas instituições, desde os anos 20 do século passado.
Perante o novo e ainda mais tétrico caso, o Governo da Irlanda determinou a constituição de uma comissão de inquérito que fez, nos últimos anos, uma investigação em profundidade, da qual acabam de ser publicados os resultados. É um volume que ultrapassa as 3000 páginas (só o texto de resumo tem mais de 76) e que chega a dados que não podem deixar de escandalizar: entre 1911 e 1998, morreram cerca de 9.000 crianças nas chamadas Casas para Mães (solteiras) e Bebés.
A comissão de investigação, que considerou o contexto específico do país num quadro internacional e compulsou dados estatísticos oficiais e privados, concluiu que se trata de um “nível terrível de mortalidade infantil”.
Pelas diferentes instituições objeto de análise passaram à roda de 56 mil mães solteiras e cerca de 57 mil crianças em lares para mães e bebés e casas de condados investigados pela Comissão, com internamentos de duração variável, especialmente numerosos nas décadas de 1960 e início de 1970. A investigação faz notar que é possível que tenha havido mais 25 mil mães solteiras e um número maior de crianças, que não foram investigadas.
Comentando estes e outros dados, Micheál Martin, o chefe do Governo de Dublin, uma coligação de centristas, democratas-cristãos e verdes, pediu perdão pelos “terríveis abusos” que foram cometidos ao longo de boa parte do século XX em instituições dependentes quer do Estado quer da Igreja.
Foi “um capítulo negro, difícil e vergonhoso da nossa história ainda recente”, acrescentou Martin, que se referiu ainda a uma “sociedade disfuncional”, com “atitudes retorcidas”, que “maltratou mulheres”, ” jovens mães” e “especialmente, crianças”.
Igreja Católica: embaraço e vergonha

Uma das “lavandarias da Madalena”, dirigidas por freiras católicas, onde mães solteiras e crianças foram maltratadas durante várias décadas. Foto: Direitos reservados
A Igreja Católica, que teve a responsabilidade pela maioria das casas que acolheram e maltrataram mães solteiras e bebés, de uma forma geral teve uma atitude positiva relativamente ao estudo.
Dois bispos cujas dioceses (Raphoe e Derry) estão situadas na parte noroeste do país, a de maior concentração de casos, emitiram uma declaração conjunta em que reconhecem o papel da Igreja no tratamento “rude e insensível” dado nos lares para mães e bebés. “Estamos a contactar com histórias de muitas mulheres e meninas vulneráveis que estavam grávidas. Num período em que precisavam de amor e cuidado, viram-se isoladas e abandonadas e, mais ainda, estigmatizadas por uma cultura de medo, julgamento e sigilo”, reconhecem os dois prelados.
Para eles, este relatório vem prestar um grande serviço aos sobreviventes, às suas famílias e à sociedade em geral, incluindo a Igreja.
Também o primaz da Irlanda, o arcebispo de Armagh, Eamon Martin, congratulou-se com a publicação do relatório e pediu perdão aos sobreviventes e todos aqueles, disse ele, “que são pessoalmente afetados pelas realidades que [a investigação] revela“.
“Aceito que a Igreja fez claramente parte de uma cultura em que as pessoas eram frequentemente estigmatizadas, julgadas e rejeitadas “, disse o arcebispo. “Embora possa ser angustiante, é importante que todos nós passemos algum tempo nos próximos dias a refletir sobre este relatório que aborda a história pessoal e a experiência de muitas famílias na Irlanda ”, observou Eamon Martin.
Também uma porta-voz das Irmãs do Bom Socorro, a congregação responsável pela Casa da Mãe e do Bebé de Tuam, entre 1925 e 1961, confirmou ao Global Sisters Report que pretende participar num esquema de reparação.
“Não estivemos à altura do nosso cristianismo quando gerimos o lar. Não respeitámos a dignidade inerente das mulheres e crianças que vieram para o lar. Não lhes oferecemos a compaixão de que tanto precisavam”, disse a irmã Eileen O’Connor, responsável pelas Irmãs do Bom Socorro, uma das congregações criticadas no relatório por não ter mantido registos dos enterros de crianças que morreram nas suas instituições.
O relatório agora divulgado, admite a congregação, apresenta uma história da Irlanda “na qual muitas mulheres e crianças foram rejeitadas, silenciadas e excluídas; na qual foram sujeitas a privações; e na qual a sua dignidade humana inerente foi desrespeitada, na vida e na morte”. E acrescenta a responsável: “As nossas irmãs fizeram parte desta história dolorosa. Reconhecemos em particular que os bebés e as crianças que morreram no lar foram enterrados de uma forma desrespeitosa e inaceitável. Por tudo isto, lamentamos profundamente.”