Infinito
Já G. Brunno o havia mostrado: não se pode conceber o Infinito físico, quer dizer, a extensão ou duração infinitas, sem se conceber uma potência infinita que nunca cessa de criar, bem radicada no fundamento de Tudo. E o bom Plotino, grande Plotino, bem dizia que tal fundamento tem de ser necessariamente Uno de uma unidade absoluta, quer dizer, irredutível, eterna, inesgotável, de tal maneira que o universo se cria continuamente na eternidade do Uno sem que o Uno jamais se veja diminuído. Ele que tudo cria desde sempre e para sempre, inclusive a si próprio. Ele que é a permanência absoluta, a absoluta impassibilidade, que necessariamente assiste a todo o movimento, a toda a transformação e toda a mudança. O “motor imóvel” aristotélico que, todavia, tudo move. Sim, é basicamente a suástica de mais de três mil anos: o ponto imóvel e sem extensão no centro absoluto de todo o movimento de criação e destruição. Axis mundi. O movimento relativo exige a permanência de um absoluto. A mudança exige a imutabilidade. No infinito.
O crente “vê” que o finito não pode ser para sempre nem ter a última palavra. Isto é, o crente “vê” que o finito não pode ser infinito por si mesmo. Como poderia ser? Para onde quer que se olhe, o Infinito impõe-se, quer seja no domínio do infinitamente pequeno quer no domínio do infinitamente grande, quer seja no nosso próprio infinito interior. Vejamos: nós somos, quer exista um mundo exterior quer não exista, quer tudo seja uma simulação ou não, nós somos. Basta a evidência de que podemos percecionar, sentir, experimentar no reduto da nossa exclusiva interioridade, para demonstrar que necessariamente somos. Isto não se pode provar a outrem; pode apenas percecionar-se como uma evidência intelectual subjetiva. E se somos, então, acerca do mundo, há pelo menos algo que podemos saber com certeza que é, quer dizer, que existe. Não é aquela mesa ou a aquela cadeira ou as aquelas estrelas – é eu, quer dizer, esta subjetividade que me habita e que eu habito.
Ora se há algo, esse algo poderia acaso não ter sido? Ou pode ser obliterado, destruído de uma vez para sempre, transformado em nada absoluto? Morrer? Uma vez que há algo (quem duvidaria de que há efetivamente ALGO, quanto mais não seja esse algo que necessariamente somos), é pois necessário que ele tenha uma origem e um fundamento, pois o Ser não pode ter origem no nada absoluto, nem sustentar-se no nada absoluto. Ora se o Ser não tem origem no nada absoluto, o nada não pode, por conseguinte, existir enquanto tal, pois mesmo que existisse enquanto tal teria de ser para poder existir.
Em consequência, o Ser é necessariamente. Quer dizer, o Ser não pode, em absoluto, não ser. Se o Ser é necessariamente – mesmo que seja só o Ser que posso intuir como necessário em cada um das minhas perceções subjetivas, ou seja, a minha própria subjetividade –, então esse Ser, devo concluir, existe necessariamente. Há qualquer coisa em mim que sou eu da forma mais radical possível, e que sendo necessariamente, não pode morrer. Mais: se há algo e não há nada, esse algo é, por conseguinte, TUDO (ou, como também se diz, o TODO), pois nada pode haver fora dele que não seja ele próprio, sem limites.
Por outras palavras, o Tudo é Infinito, porque o Ser não pode não Ser. E se em nós há algo que é – o que quer que isso seja – tem necessariamente de se fundar num absoluto que não pode ser destruído.
O ateísmo é, a meu ver, metafisicamente precipitado, pois o que sustenta é que, em última instância, o Ser pode não ser, quer dizer, pode ser obliterado, absolutamente “nadificado”. Ora isto dificilmente pode ser, a meu ver. O ateísmo é a negação do Ser enquanto Ser. É uma fé negativa naquilo que não pode, em absoluto, ser, porque é nada absoluto. Ora, o Ser não pode não ser, o infinito não pode perecer, o absoluto é necessariamente desde sempre e para sempre. E nós que sentimos, intuímos ser algo, no reduto intransmissível e absolutamente pessoal das nossas consciências; nós que nos vemos de súbito despertos para o facto assombroso de que nos habitamos de uma forma absolutamente única, para além de qualquer discurso racional – nós que somos, de uma evidência anterior a qualquer outra, escolhemos negar todas as consequências dessa evidência subjetiva, que sem qualquer palavra parece gritar-nos que aquilo que radicalmente somos, não só não tem limites como não pode morrer.
“Os limites da alma não é possível descobri-los, mesmo percorrendo todos os caminhos, tão profundo é o Logos que a sustenta.”, palavras do bom Heraclito…
Ruben Azevedo é professor e membro do Ginásio de Educação Da Vinci – Campo de Ourique (Lisboa).
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