
O padre James Martin, SJ, na audiência com o Papa, há ano e meio. Foto reproduzida da página de James Martin na rede Facebook
O documento da Congregação para a Doutrina da Fé (CDF), do Vaticano, provocou várias críticas e comentários negativos, sobretudo na Alemanha e nos Estados Unidos, mas também num grupo português de homossexuais católicos. “Aceitando o quanto o Papa Francisco fala sobre o carácter sinodal da Igreja, é decepcionante ver tentativas de curto-circuitar” o processo do Caminho Sinodal da Alemanha, escreve um dos colunistas católicos mais respeitados nos EUA, o padre Thomas Reese, no Religion News Service (RNS), jornal digital independente.
“Este ataque preventivo, contudo, não será bem sucedido”, acrescenta Reese, que cita ainda: “A discussão prosseguirá, explicou o bispo Georg Bätzing, presidente da Conferência Episcopal Alemã, mesmo que ‘os pontos de vista apresentados pela Congregação para a Doutrina da Fé devam e irão naturalmente encontrar o seu caminho nestes debates’.”
Thomas Reese acrescenta que se deve sublinhar que o documento do Vaticano trate “do casamento e bênçãos na igreja, e não do casamento civil”. Até porque o Papa Francisco já reconheceu “a necessidade de reconhecimento legal das uniões homossexuais”, embora preferisse chamar-lhes uniões civis em vez de matrimónio.
James Martin, padre jesuíta dos EUA que acompanha pessoas homossexuais e escreveu um livro sobre o tema, criticou também o documento em declarações ao Corriere della Sera, interpretando-o igualmente como uma resposta aos bispos alemães e ao debate que está a decorrer no âmbito do Caminho Sinodal da Igreja Católica na Alemanha.
“Deus criou-te, Deus ama-te e Deus quer que sejas feliz”, era o que diria aos homossexuais católicos o padre James Martin, que há ano e meio foi recebido pelo Papa e na ocasião confessou sentir-se “encorajado, consolado e inspirado”.
“Sem comentários” e “pretensas aberturas”
À pergunta sobre se não há contradição entre dizer, como faz o documento do Vaticano, que se acolhem as pessoas reconhecendo os elementos positivos que possa haver numa união homossexual e que ao mesmo tempo se fale de pecado, James Martin diz apenas: “Sem comentários.”
“Os primeiros destinatários da mensagem evangélica são aqueles que estão nas periferias”, acrescenta Martin, 60 anos, ao Corriere. Dizendo que esse tipo de bênçãos ainda é uma prática rara, afirma: “A Igreja é chamada a continuar a aproximar-se das pessoas LGBT, como ‘respeito, compaixão e sensibilidade’, como diz o Catecismo, imitando o contacto de Jesus com todos aqueles que se sentem marginalizados. Este caminho é um caminho, seja para a Igreja, seja para os católicos LGBTQ.”
Em Portugal, a associação Rumos Novos – Católicas e Católicos LGBTQ, reagiu também ao texto da CDF que determina que “a bênção das uniões homossexuais não pode ser considerada lícita”, afirmando: “Ainda que não constituindo uma surpresa, mesmo após as pretensas aberturas do Papa Francisco, para muitas e muitos (pais, mães, filhos, filhas, amigos e amigas) este documento foi profundamente dececionante e mesmo desencorajante.”
O comunicado enviado ao 7MARGENS e intitulado “Uma Voz Que Não Vem de Deus!” foi divulgado nesta terça-feira, 16 de março. Recorda que “a caminhada de católicas e católicos LGBTQ no seio da Igreja Católica tem sido longa e dolorosa” e que a Rumos Novos trabalha “com casais de pessoas do mesmo sexo para que no seio do amor de Cristo que os une, sejam testemunhos vivos desse mesmo amor, escolhendo amar como Cristo amou e não como alguma hierarquia pretende que Ele ame.”
A associação conclui apelando “aos católicos e católicas LGBTQ de todas as idades; aos e às que já saíram do armário e aos e às que permanecem ainda aterrorizados nos bancos da igreja; aos pais, mães, familiares e amigos que hoje se viram novamente desamparados” para que “não desesperem, pois Cristo está com eles e elas”.
No seu texto no RNS o padre Thomas Reese acrescenta outros dados: “A maioria dos católicos americanos, como a maioria dos americanos, apoiam a legalização do casamento gay, mas isto não é necessariamente verdade em qualquer outra parte do mundo. Segundo o Pew Research Center, 61% dos católicos americanos apoiam a legalização do casamento homossexual. O apoio é ainda maior na Europa Ocidental (excepto Itália e Portugal), mas noutras partes do mundo, a maioria dos católicos e seus compatriotas opõe-se à legalização do casamento homossexual.”
E sobre a imagem de Francisco acrescenta: “Enquanto para os americanos o Papa parece estar ultrapassado, ele é visto como revolucionário em muitas outras partes do mundo, especialmente nos 71 países onde os gays ainda são criminalizados. Nestes países, o apoio da Igreja à descriminalização do sexo gay e à legalização das uniões homossexuais seria um grande progresso.”