
A capa do livro Cartografia do Encontro.
Muitos títulos de livros são assim bonitos e expressivos: Cartografia do Encontro. Eles são um rosto e ao mesmo tempo uma narrativa, fazem entrever a história que o livro guarda para no-la revelar no momento íntimo da leitura. Em Cartografia do Encontro (Paulus, 2022), de Nélio Pita, o leitor experimentado ouvirá ressonâncias de outros mapas, outros itinerários, cujo final não é uma linha de meta, mas um novelo de amor. Já lá iremos.
O subtítulo deste livro traz-nos a maior das interpelações: “Introdução à vida de oração”. Se é certo que se trata de um manual, uma espécie de livro de instruções para a oração, não é menos evidente o desafio: a vida de oração. Não se trata (apenas) de aprender a rezar ou de procurar rezar melhor, mas de trazer a oração para dentro do nosso quotidiano, deixar instalar o hábito, aceitar os rigores da regularidade, fazer da oração parte da nossa identidade vital: vida de oração.
Neste sentido, há duas virtudes que se destacam na obra: a generosidade de um manual de instruções, e a humildade de uma introdução. Há orientações úteis, e a certeza de que estamos quase sempre apenas no início do caminho.
Rezar é parte intrínseca do ser-se cristão. Temos dois mil anos de ensinamentos e experiência orante; o que nos traz de novo este livro? Diria que a novidade é uma cartografia que regressa ao princípio, propondo-nos começar de novo e re-situar a oração na nossa vida – em Portugal, na Europa, no século XXI. Este contexto local e contemporâneo é muito importante porque ajuda a relacionar as propostas do livro com a vida concreta de cada um de nós.
Ao mesmo tempo que nos fala para o presente, o livro de Nélio Pita traz-nos, do passado, exemplos de homens e mulheres com experiências singulares de oração e de ação: místicos ou “ativistas”, eles e elas mostram-nos como a história (e o presente, digamo-lo também) do cristianismo é feita com coragem, com imaginação, com compromisso.
Uma vida orante não é resultado de uma receita única, com passos bem definidos, que funciona para todos da mesma forma. Ela é fruto da dialética permanente entre o ser humano como indivíduo e como parte da comunidade espacial e temporal, da tensão entre a decisão singular e a intervenção do Espírito em cada um. Que respostas damos às perguntas ávidas que ouvimos ao nosso redor? Quem nos pergunta? O que ouvimos? Que vozes nos desestabilizam e quais nos pacificam? O que perguntamos?
Li este trabalho – dedicado, ponderado, rezado – antes da sua publicação. Tê-lo agora em mãos, com um mês de guerra na Ucrânia, dá a este livro, porventura não um outro sentido, mas sim uma outra visibilidade. O que fazer diante da barbárie?
Muitas pessoas não cristãs se mostram incrédulas e até chistosas quando sabem de iniciativas públicas de oração por uma causa. Entendo-as em parte. Diante das imagens de tanques, de ruínas ou de armas apontadas a um alvo humano, como não nos perguntarmos sobre o que vale uma vigília de Pai-Nossos e Avé-Marias numa das nossas paróquias?
A resposta já foi dada; vem nos livros e vem neste livro. Todavia, não nos serve nem consola, se não for incorporada (sim, trazida para o corpo) e realizada (sim, tornada real) na autenticidade da vida de cada um, sozinho ou em comunidade: a resposta é o encontro. O tal novelo de amor – de Deus, ao próximo, contigo, na nossa casa comum.
Nos dez tempos desta cartografia, encontramos uma proposta que pode ser lida para saber mais, mas também para saber melhor deste assunto. Com a certeza, porém, de que, como no título do texto de introdução, nunca deixamos de estar “à procura”.
Cartografia do Encontro: introdução à vida de oração,
de Nélio Pita
Paulus, 2002
176 pág., 12,50 €
Sobre “O poder transformador da oração”, o Centro de Reflexão Cristã promove na próxima segunda-feira, 28, um debate com a participação do autor do livro, da autora deste texto e de Juan Ambrosio. O debate terá lugar no Centro Nacional de Cultura – Largo do Picadeiro, 10 – 1º (ao Chiado), em Lisboa, a partir das 18h30.