
Judeus ortodoxos em Jerusalém: Israel está refém da comunidade ultraortodoxa, “que não respeita as medidas de confinamento e viola abertamente a lei – com impunidade.” Foto © Paul Arps/Wikimedia Commons, 2013.
Israel está a defrontar-se com um problema grave: ficar refém da recusa dos ultraortodoxos judeus a vacinar-se. O esforço feito de vacinar rapidamente a população, que colocou o país na liderança mundial, com perto de um terço da população vacinada, pode deste modo vir a ser afetado.
A chegada das vacinas a Israel tem sido tudo menos tranquila. Em meados de janeiro, foi o escândalo da recusa do governo de Netanyahu em partilhar as vacinas com os 4,5 milhões de palestinianos dos territórios árabes que controla, na Faixa de Gaza e na Cisjordânia, ainda que o tenha feito com os palestinianos com estatuto de residentes na parte oriental de Jerusalém.
Apesar de a Autoridade Palestiniana ter encomendado autonomamente a vacina, os peritos da ONU previam que a entrega demorasse pelo menos alguns meses, o que significaria que tanto os árabes como os israelitas que vivem na zona, nomeadamente os colonos, estariam expostos à covid-19. Segundo a quarta Convenção de Genebra, Israel, enquanto força ocupante é obrigada a adotar e aplicar “as medidas profiláticas e preventivas necessárias para combater a propagação de doenças contagiosas e epidemias” em cooperação com as autoridades nacionais e locais. O governo discordou desta obrigação e argumentou que a Autoridade Palestiniana não lhe tinha dirigido nenhum pedido. Contudo, perante a pressão internacional, acabou por transferir alguns milhares de doses da vacina anti-covid para o lado palestiniano.
Entretanto, nas últimas semanas, segundo relata o jornal Haaretz citado no Courrier International, têm-se intensificado os debates na sociedade israelita em torno de um fenómeno que suscita preocupações crescentes: trata-se do sentimento de que os cidadãos “estão reféns de um segmento da população, a comunidade ultraortodoxa, que não respeita as medidas de confinamento e viola literal e abertamente a lei – com impunidade”, ao mesmo tempo que os casos de contágio estão a aumentar de forma significativa.
Grupos de contestatários haredim (literalmente “aqueles que temem a Deus), sem máscara, têm causado estragos nas ruas de Jerusalém e Bnei Brak [subúrbio ultraortodoxo de Tel Aviv], incendiando autocarros e atacando a polícia, sem que esta consiga ou queira dominar os tumultos.
Aparentemente, o governo de Benjamin Netanyahu vê-se na difícil situação de querer colher os louros da política de combate à pandemia, mas sem perder o apoio dos ultraortodoxos.
Um artigo publicado já em 2021, na revista científica Journal of Religion and Health, mas baseado em pesquisas anteriores à atual pandemia, refere que 24% da população judaica israelita em geral consulta rabinos regularmente, em especial sobre questões médicas, a fim de se certificar de que as suas ações estão de acordo com a lei religiosa judaica.