[Segunda leitura]

“It’s a long way to Tipperary…”

| 27 Jun 2022

Uma vila no condado de Tipperary, na Irlanda. Foto © Tony Webster

Uma vila no condado de Tipperary, na Irlanda. Foto © Tony Webster

 

Imagino que ninguém ou quase ninguém lhes conheça os nomes, mas eles aqui ficam: Nicolas Smith, de 81 anos, e Hilary Smith, de 79 anos. Irlandeses. Ambos reformados.

Imagino que quase ninguém se lembre deles, pois desapareceram de circulação há coisa de ano e meio e, aparentemente, ninguém deu pela sua falta. Pelo menos, ninguém os procurou.

A terra deles é longe, é em Tipperary, na Irlanda. A terra da canção que aprendemos nas aulas de Inglês: “It’s a long way to Tipperary / It’s a long way to go”.

Imagino que não tenham família, que sejam um homem e uma mulher sozinhos neste mundo, sozinhos em Tipperary, “it’s a long way” para lá chegar. Se tivessem família, próxima ou remota, talvez alguém os tivesse procurado ao fim de tantos meses de ausência, aí uns dezoito, ano e meio sem que se lhes tenha posto a vista em cima. Mas não, parece que ninguém os procurou.

Imagino (e isto começa a ficar ainda mais triste) que ninguém, ou quase ninguém, tenha sequer estranhado não ver Nicholas e Hilary há tanto tempo. Nada, nenhum sinal daquela casinha perdida no campo de Tipperary, uma casinha com jardim e árvores em volta. “Que será feito deles?…”, pode alguém ter perguntado de passagem. “Pois…” E vamos para diante. E um ou dois ou três meses depois, e um ano depois, “curioso, nunca mais apareceram, ter-se-ão mudado?…” “Pois…” E vamos para diante, que temos as nossas vidas.

Não imagino o que se terá passado, lá, nessas terras longínquas de Tipperary, quase parece que são no fim do mundo ou para além do mundo conhecido. Há dias, ao fim de cerca de um ano e meio, alguém decidiu ir procurar por Nicholas e Hilary. Foram à sua casinha perdida no campo, com erva bem alta e árvores à volta. Bateram, ninguém respondeu. Abriram, entraram e viram.

Nicholas estava morto. No quarto. Hilary estava morta. Na sala. Não se sabe bem desde quando, mas sabe-se que não eram vistos há cerca de um ano e meio. Podem ter morrido há alguns meses, ou há muitos, ou há bem mais de um ano. Não se sabe ainda de que terão morrido exatamente (e, para ser franco, essa é a parte que menos interessa ao caso). Sabe-se que morreram. Há meses. Em casa. Sozinhos. E sozinhos continuaram. Sem que alguém tenha dado pela sua falta. Sem que alguém os tenha procurado.

A notícia do The Guardian diz que a polícia fez aquela trágica descoberta “depois de alguns vizinhos terem manifestado a sua preocupação sobre o casal, que não era visto desde finais de 2020”.

Vizinhos preocupados. Estranharam a ausência. E continuaram preocupados. E continuaram a estranhar a ausência. E mais e mais e mais. Desde fins de 2020. Durante todo o ano de 2021. E até ao meio que já levamos deste 2022. “Se calhar devíamos dizer alguma coisa à polícia…”. Alguém disse. Sim, mas ao fim de um ano e meio. Entretanto, Nicholas e Hilary estavam mortos em sua casa. Sozinhos, as persianas baixadas, tudo em silêncio. Lá longe, muito longe de nós, muito longe das pessoas, muito longe de família, de vizinhos, de conhecidos, muito longe de tudo.

“It’s a long way to Tipperary / It’s a long way to go”. It’s a long, long, long, long way…

 

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