Já fui a Paris (à missa e tudo)

| 16 Ago 2021

Rua de Paris

“Ninguém se pode tornar cedro sem comunidade. Não apenas uma comunidade espiritual, também necessária, mas uma concreta, com espaços, pessoas, tralha, paredes e tectos, com cheiros, sabores e sons.” Foto © Marta Saraiva

 

Há várias formas de descobrir uma cidade. Uma das minhas é ir à missa naquelas por onde vou passando, mesmo que não perceba muito (ou nada) do que por lá é dito. Há umas semanas foi a vez de Paris, onde aterrei na Igreja de Notre Dame de l’Assomption de Passy para a missa das 9h00, com uns minutos de atraso e uma leve irritação – o atraso seria demasiado evidente, notado e presenteado com olhares de censura. A igreja estaria vazia, ninguém vai à missa às 9h00 da manhã, num domingo de sol esplendoroso. Muito menos em Paris, capital do excesso e da laicidade para vários, mas não todos, os gostos.

Não estava. Para padrões pós-covidapocalípticos, início de férias e 9h00 da manhã, estava até bastante composta, e a assembleia era bem mais jovem e diversa do que antecipara. Obviamente, ninguém deu pela minha chegada.

A celebração em si não teve nada de extraordinário, nada incomum, nada fora da norma, nada que não tivesse observado já nestes quase dois anos. A música está por conta do órgão e de um cantor, com cânticos fáceis de acompanhar, ritmos muito pausados para assegurar que o mundo fica à porta e pode esperar, acólitos compenetrados com ténis por apertar, o agrupamento de escuteiros em peso… uma homilia pertinente sobre a vocação – retive que cada um é chamado a tornar-se um cedro do Líbano –, e com um apelo insistente à responsabilidade pessoal e ao assumir das nossas escolhas. E com um traço comum a muitas outras que já ouvi: o convite a questionar a autoridade e o desafio a posicionar-nos conscientemente num mundo que prefere arbustos a cedros, perante um Estado que consegue ser assumidamente hostil à religião.

Há qualquer coisa de austero, de adulto, de anti-sentimental nesta forma de estar que me intriga e atrai. Não há uma ponta de individualismo, o eu e os meus apetites interessam bastante pouco. Graças a Deus.

Durante os muitos anúncios finais com cheiro a férias – a partida de um dos sacerdotes juniores para uma nova missão, as datas das sessões de teatro e desporto para o Verão, as inscrições para a catequese e escuteiros, saldos da biblioteca paroquial –, dei uma espreitadela ao pátio da igreja, visível através de um janelão lateral. Os traços de um campo de jogos marcados no chão, um conjunto de anexos onde funcionavam a biblioteca e, suponho, os escuteiros, e uma capela dedicada a Santa Teresa de Lisieux, um lugar meio suspenso no tempo e no espaço. E aí caiu a ficha: ninguém se pode tornar cedro sem comunidade. É uma ficha básica, admito, mas sou lenta de entendimento nestas coisas e sou um produto dos anos 1990. Não apenas uma comunidade espiritual, também necessária, mas uma concreta, com espaços, pessoas, tralha, paredes e tectos, com cheiros, sabores e sons. Mesmo na era virtual, continuamos a ser muito físicos.

Uns dias mais tarde, após uma visita à página da paróquia (tanta actividade espantou-me), a ficha ganhou alguns contornos. Como mil outras, esta dinamiza vários grupos, desde a catequese ao grupo do Movimento de Reformados Cristãos, passando pelo coro, pelas Equipas de Nossa Senhora ou pelo grupo de Grego Bíblico. Não sei quantas pessoas aderem a estas propostas, ou se os grupos funcionam bem, o ponto não está tanto aí. Está no simples facto de existirem, de se dirigirem a várias fases da vida e a interesses e necessidades muito diferentes, e de estarem congregados no mesmo espaço geográfico e no mesmo espaço “espiritual”, à falta de melhor expressão. Mesmo que a sua intenção inicial seja outra, serão adubo para o cedro e, muito possivelmente, um dique discreto contra o anonimato, a voragem e a displicência do correr dos dias, o gigantismo do l’air du temps e um limite ao poder cada vez mais intrusivo do Estado na vida de todos e de cada um.

E agora sim, já fui a Paris.

(Roubei o título do texto a esse hit da música infantil dos anos 1980, que foram os álbuns da Ana Faria, Brincando aos Clássicos, e em que o Luís queria ir (e foi) a Paris.)

 

Marta Saraiva é diplomata, exercendo actualmente funções na Missão de Portugal junto do Conselho da Europa.

 

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