
Janna Jihad. Foto © Amnistia Internacional.
Janna Jihad é uma jovem ativista e jornalista de 15 anos. Tem cara de miúda, as borbulhas no rosto não enganam, como diz a conhecida canção. Recorda-me bem a minha sobrinha, uns meses mais velha. Não engana. As preocupações de ambas deveriam ser os estudos, os passatempos próprios de uma adolescente da sua idade, as atividades extracurriculares que têm, os traços de personalidade e a procura de identidade pessoal que começa a surgir nesta altura da vida em que se encara o futuro com borbulhas no rosto.
Mas em Nabi Saleh, a pequena aldeia palestiniana localizada na Cisjordânia ocupada, a vida não deixa esta jornalista ser uma menina de 15 anos a sonhar com o futuro, ou com as preocupações devidas da idade; antes obriga-a a registar o presente. E esse vai sendo o seu trabalho, o de documentar da forma que pode – com imagens, sons e descrições ao vivo e em modo reportagem – as violações de direitos humanos e repressão pelas autoridades israelitas. É através de fotografias e vídeos que faz os seus registos, materiais que depois são vistos por centenas de milhares de pessoas em todo o mundo.
Aos 13 anos, Janna tornou-se a mais jovem jornalista palestiniana portadora de carteira profissional. Esse reconhecimento foi-lhe dado não só pela qualidade do seu trabalho, mas também para a proteger. Apesar de tudo, é constantemente ameaçada pelo que faz. O seu direito à liberdade de expressão, à liberdade de reunião pacífica e à educação estão sob risco contínuo e, enquanto criança e ativista, pode sofrer violência física, castigos coletivos, criminalização em tribunais militares, tortura e outros maus-tratos.
Só entre janeiro e junho de 2021, as forças israelitas mataram pelo menos 73 crianças nos Territórios Palestinianos Ocupados. Apesar de Israel ter ratificado a Convenção sobre os Direitos da Criança, o país apenas aplica as proteções previstas no tratado às crianças israelitas e não alarga as mesmas aos menores palestinianos. Todos os anos, Israel instaura processos contra 500 a 700 crianças palestinianas, em tribunais militares que não cumprem os requisitos para garantirem julgamentos justos.
A atuação das forças bélicas naquela região é arbitrária. Custa crer que um lugar sagrado para tantos milhões de pessoas no mundo seja palco de tanta violência, de tanta contradição com os profetas que percorreram aqueles caminhos e lavaram dos pés o pó daquela terra.
Janna é muito ativa na sua comunidade. Gosta de organizar atividades para as crianças em regime de voluntariado, toca ukelele, está a aprender a tocar guitarra e joga basquetebol. Além disso, sabe dançar a dança tradicional palestianana Dabka e gosta de bordar, especialmente bordados tradicionais Tatreez. É também muito ativa nas redes sociais, usa-as para denunciar e expor a realidade de quem vive nos Territórios Palestinianos Ocupados.
Os conflitos naquele lugar de admiração para tantas pessoas passam ao lado do turismo de excursão. Muitas vezes, deliberadamente por parte das autoridades. Por outro lado, partidos políticos cá e noutros países vão cavando trincheiras e colocam-se como se de um jogo se tratasse, tomando lados, como adeptos. Israel sofreu muito durante a Segunda Guerra Mundial, e ainda antes disso, ao longo dos milénios: os israelitas foram podendo estar naquela terra, outras vezes expulsos, outra vez de novo naquele território, outras vezes em diáspora. Com o fim da Segunda Guerra Mundial, as Nações Unidas, em reparação, convencionaram destinar aquela terra aos israelitas, sem ter suficientemente em conta quem já lá estava e vivia. O tema é demasiado complexo para um artigo como este, que é sobre uma jovem de 15 anos, a Janna, que nasceu numa terra que lhe dizem não ser dela. Que longe do que devia ser a vista de qualquer criança, vê violações de direitos humanos e violência desde que nasceu.
O apelo que faço hoje não é da paz que devemos desejar e trabalhar para que as pessoas que vivem naqueles territórios encontrem. É um mais concreto, mais pequeno e tão rápido a fazermos a nossa parte: participe no projeto da Amnistia Internacional “Maratona de Cartas” e assine a petição dirigida ao Comité Especial para os Direitos das Crianças em Israel (composto por elementos da Assembleia Geral de Israel, o Knesset), e diga às autoridades israelitas que devem proteger Janna, e todas as crianças palestinianas, da discriminação e violência, tal como previsto na Convenção sobre os Direitos da Criança. Todas as assinaturas serão entregues pela Amnistia Internacional e, acredite, farão a diferença. Cada assinatura, cada gota de água… tanto dá, até que fura. Assim o diz a sabedoria popular, assim faremos até acontecer.
Como qualquer outra criança no mundo, Janna e os seus amigos têm o direito – o dever até – de brincarem na rua sem gás lacrimogénio a cair-lhes em cima.
Pedro A. Neto é diretor-executivo da Amnistia Internacional Portugal