
Marko Ivan Rupnik, padre jesuíta, artista e teólogo, sob suspeita de ter abusado de mulheres. Foto © Centroaletti, CC BY-SA 4.0, via Wikimedia Commons
A Companhia de Jesus anunciou esta terça-feira, 21, a decisão de agravar as restrições que já haviam sido aplicadas nos últimos anos ao seu membro padre Marko Rupnik, depois de terem surgido “vários novos testemunhos e denúncias” de abusos contra ele, validados com um “alto grau de credibilidade”.
De acordo com o comunicado, uma “equipa de contato” para casos de denúncias contra jesuítas da Delegação para as Casas e Obras Interprovinciais Romanas da Companhia de Jesus (DIR) recebeu essas denúncias “nos últimos meses” e ouviu “todas as pessoas envolvidas que manifestaram o desejo de serem atendidas”.
As denúncias vieram de “muitas pessoas [que] não se conhecem e os factos narrados dizem respeito a “diferentes períodos (Comunidade Loyola, pessoas solteiras que se declaram abusadas na consciência, assediadas espiritual, psicológica ou sexualmente durante experiências de relacionamento pessoal com o padre Rupnik, pessoas que fizeram parte de Centro Aletti)”.
Os comportamentos relatados sobre o jesuíta – que são apenas uma parte das vítimas – ocorreram também “em diferentes períodos, entre meados da década de 1980 e 2018. Eles cobrem um período de mais de 30 anos”.
Refere também o comunicado que a “equipa de contacto” propôs ao padre Rupnik que as pessoas denunciantes e vítimas “pudessem encontrar-se com ele sobre isso [supõe-se que sobre os comportamentos do presbítero – ndr], sem sucesso”.
Do trabalho realizado por essa equipa resultou um dossiê que não foi tornado público que relata a informação recebida, apresenta as conclusões, incluindo “sobre as diversas possibilidades relativas a ulteriores processos judiciais civis e canónicos”, deixando igualmente “indicações e recomendações à Companhia sobre as possíveis providências a serem tomadas”.
O superior maior do padre Rupnik, Johan Verschueren, SJ, começa por agradecer “imensamente a todas as pessoas que tiveram a força de contar as suas experiências, às vezes com o sofrimento interior de ter de trazer à tona muitos episódios dolorosos”. Essas pessoas, diz, “são, de facto, ‘sobreviventes’, dado “o mal que supostamente sofreram”.
Johan Verschueren confirma que “a variedade de testemunhos recebidos, aliada ao que já é conhecido, demonstra como eles devem ser levados a sério e totalmente considerados” e “declara que é sua firme intenção proceder a medidas que assegurem que não ocorram situações semelhantes às referidas.
Anuncia, neste sentido, “um procedimento interno à Companhia, onde o mesmo Pe. Rupnik pode fornecer sua própria versão dos fatos (o que não fez para a Equipe de Referência, embora convidado)”. Deste procedimento pode resultar em uma medida disciplinar, explica o responsável.
Face a este procedimento interno, e a título cautelar, o superior maior entendeu reforçar as regras restritivas contra Rupnik, proibindo-o de qualquer exercício artístico público, de modo particular relativamente a instituições religiosas (como, por exemplo, igrejas, oratórios e capelas, casas de retiro ou espiritualidade). Essas restrições somam-se às já existentes: proibição de qualquer atividade ministerial e sacramental pública, proibição de comunicação pública, proibição de sair da região de Roma (Lácio).
Desenvolvimentos relativamente ao comunicado
Em declarações à agência Associated Press (AP), o superior maior Johan Verschueren adiantou que nesta fase surgiram 15 novos casos de abusos.
Esclareceu, por outro lado, que a Companhia de Jesus vai avaliar “novas medidas disciplinares contra o reverendo Marko Ivan Rupnik”, após esta que será a terceira investigação da Igreja sobre alegações de que ele usou seu estatuto como “um dos artistas religiosos mais proeminentes da Igreja Católica para manipular mulheres adultas para a atividade sexual”.
“Embora a destituição tecnicamente continue a ser uma opção, medidas alternativas podem incluir removê-lo da comunidade artística que ele fundou em Roma [Centro Aletti] e isolá-lo numa vida de penitência e oração semelhante a um monge, para que ele deixe de constituir uma ameaça para as mulheres”, disse à AP o superior de Rupnik, Johan Verschueren.
O padre terá violentado dezenas de mulheres, recorrendo a artifícios e manipulações várias, incluindo de natureza teológica e artística. Foi excomungado pela então Congregação para a Doutrina da Fé, em 2021, por ter absolvido em confissão uma mulher com quem tinha tido relações sexuais, excomunhão levantada misteriosamente umas semanas adiante. Voltou a ser julgado pela mesma Congregação, em 2022, por abusos de poder, abusos espirituais e sexuais na Comunidade Loyola, tendo os factos sido reconhecidos, mas dados como prescritos.
Este será o terceiro processo acionado pelos Jesuítas, depois do manifesto falhanço das penalizações anteriores. O padre Rupnik continuou a desenvolver a sua atividade com ostensiva impunidade, que todos viam, exceto os únicos que conheciam o currículo de abusador daquele clérigo. E só reagiram, e a muito custo, depois de os jornalistas terem colocado o assunto na praça pública.
No entanto, no comunicado agora emitido, não consta qualquer sinal de assunção de responsabilidades por parte da Companhia, nomeadamente dos seus superiores maiores, os quais, ao deixarem correr a situação, sabiam estar a colocar pessoas em risco.