
Logotipo da Jornada Mundial da Juventude Lisboa 2023.
Gostava que se falasse, a partir dos jovens, da exorbitância dos custos do palco para a Jornada Mundial da Juventude de 2023. E gostava também que os jovens fossem ouvidos a este respeito.
É que, num país com escassas políticas para a infância e a juventude, parece-me ofensivo, e até obsceno, os montantes que têm vindo a lume.
Olhemos para o desemprego jovem, para a exploração salarial, para o custo de vida e para os preços da habitação, que obrigam os jovens a permanecer em casa dos pais.
Olhemos para os jovens que não chegam à universidade por falta de condições económicas das suas famílias. E olhemos também para a falta de condições de muitos jovens que estão nas universidades, que fazem um sacrifício enorme para pagar propinas, que não conseguem hoje pagar um quarto, ou mesmo um computador, ou que não têm dinheiro para se alimentar. Não me digam que isto nada tem a ver com a Jornada Mundial da Juventude.
Os jovens que participam nesta Jornada precisam deste palco? Precisam da exuberância que está anunciada? A ideia do retorno económico que o evento vai trazer não me convence, porque o retorno para a vida dos jovens, a esse nível, é zero.
E dizerem que é sempre a mesma coisa, que Portugal é um país que pensa pequenino, também não colhe. Portugal é um país que pensa pequenino nas políticas essenciais, mas que tem uma megalomania quando se trata deste tipo de eventos.
A simplicidade que caracteriza a vida dos jovens e a própria simplicidade do Papa e da sua mensagem contrastam com os custos da Jornada e a sobranceria dos que procuram justificá-los.
Instalou-se em torno da JMJ um negócio que turva o seu objetivo de fazer “um convite a uma geração determinada em construir um mundo mais justo e solidário”.
Não compreendo, a este nível, o envolvimento do Estado, que é laico, num acontecimento da Igreja Católica. Mas o que me ofende mesmo é fazer-se uma iniciativa para a juventude sem se pensar nela.
Os jovens não podem ser mera decoração desta Jornada, não podem apenas ser os seus destinatários e números que enchem um recinto. O investimento em causa é uma afronta para os jovens e as suas condições de vida. Muitos deles serão acolhidos em instalações públicas e paroquiais ou em casa de famílias, muitos serão voluntários, dizendo a organização que “uma das maiores belezas deste encontro com o Papa é o dom do trabalho e do tempo de tantos jovens que, gratuitamente, dão aos outros a oportunidade de participar numa experiência única“.
O dom de um trabalho voluntário perante uma estrutura milionária. Jovens que estarão diante de um palco de milhões e que vivem, no seu dia a dia, com cêntimos nos seus bolsos. É uma jornada de contrastes. Que triste que tudo isto é.
Sara Pereira é professora da Universidade do Minho, especializada em questões sobre a infância e juventude