
Jovens festejam o anúncio de Lisboa como próximo anfitrião da JMJ. Foto @JMJ2023 Lisboa
Com 85 anos não sou jovem, mas o tema, pelo que tem constado nos media, tem-me arranhado cá por dentro. São palcos, cenários, figurantes no’s palco’s, milhões envolvidos, coisas referentes ao “espectáculo”. Temas que façam da Jornada um projecto válido e dinamizador da juventude, para bem da humanidade e do mundo todo (não refiro para bem da Igreja, porque esta não pode ser a primeira visada) ainda não consegui ver grande coisa.
Porque a minha sensibilidade e fé também vão pondo de lado o vazio de espectáculos e de muitos ritos, pensei pôr o assunto de lado como coisa que não tivesse a ver comigo. Mas o íntimo não sossegou e cá por dentro velhas convicções, ideais, memórias começaram de fervilhar.
Não sei explicar como dei comigo a pensar na imagem do Papa Francisco a caminhar sozinho pela Praça de São Pedro, silenciosamente e decidido, como se carregasse aos ombros uma humanidade inteira para enfrentar a guerra da covid. Nessa altura já não estava só: havia uma multidão de cientistas, de médicos e de todo o pessoal de saúde, de governantes a coordenarem defesas, de gente de todos os níveis armada de máscaras, de artistas jovens e menos jovens a derrubarem paredes de isolamentos, voluntários sem rótulo de partido nem igreja a levarem comida e apoio a quem não tinha nada disso. Um mundo a lutar para salvar a vida.
Às tantas encalhei na ideia de 800 a 1000 bispos no palco do altar da missa papal. E tudo se transtornou outra vez: não consegui ver se havia muita diferença entre essa imagem e aquelas que a TV nos dá de grandes desfiles militares em nações que orgulhosamente afirmam o seu poder militar. São grandes formações de soldados rigorosamente fardados com fardas vistosas, desfiles de material de guerra, enfim, afirmação de poder.
E uma quantidade de bispos, todos vestidos primorosamente de igual com paramentos, mitras, solidéus, que imagem deixa senão a de um poder clerical da Igreja? O que é que isso diz à multidão de jovens ali reunidos, que imagem levam de uma Igreja que quer ser fermento de nova humanidade? Poder militar/cívico, poder espiritual; tudo PODER. Nada a ver com a MENSAGEM de Jesus. O Evangelho fala de multidões que O seguiam, sem armas nem ornamentos especiais, sem dinheiro, sequiosas da Palavra, de pão, de saúde. Tanto que temos de aprender. O que seria se as jornadas mundiais de juventude fossem ocasião para a Igreja, as igrejas, cortarem de vez com o espectáculo de poder espiritual. Seria um passo grande se os bispos deixassem todos livre o seu lugar no palco da grande celebração e, sem mitras, solidéus, paramentos vistosos, se misturassem com os jovens das suas dioceses; nasceria daí conhecimento, proximidade, empatia, comunhão de ideais, equipa que fosse fermento na massa, de regresso às suas terras. Teria valido a Jornada Mundial da Juventude para ajudar, aos poucos, a humanidade a ser mais humana.
Para isto seria apenas necessário uma centelha de querer que não tivesse ninguém a querer apagá-la.
P.S. – E o que fazer às mitras, solidéus e paramentos que a estas horas já foram objecto de negócio nada barato? Venda-se tudo em leilão, porque certamente haverá colecionadores interessados…
António Correia