A Associação de Apoio à Vítima vai ajudar a prevenir todo o tipo de incidentes – incluindo tentativas de abuso sexual – na JMJ de Lisboa. E a edição de Lisboa vai introduzir uma pequena revolução no programa habitual: os bispos estarão mais para ouvir os jovens do que para lhes fazer catequeses.

Participantes no encontro internacional de preparação da JMJ Lisboa 2023, no final da missa no Mosteiro dos Jerónimos, quarta-feira, dia 19. Foto © JMJ Lisboa 2023/N.Moreira
A organização da Jornada Mundial da Juventude (JMJ) pediu a ajuda da Associação Portuguesa de Apoio à Vítima para fazer um manual para lidar com todo o tipo de incidentes. Isso inclui também eventuais tentativas de abuso sexual ou quaisquer outros incidentes que possam ocorrer com os participantes da Jornada.
“Quando chegámos ao dossiê quer da protecção de menores quer de acidentes ou incidentes que podem ocorrer, procurámos uma entidade que tivesse experiência no terreno” para apoiar os jovens em qualquer “incidente – assalto, ataque, vítima”, o que for, disse o bispo auxiliar de Lisboa e presidente da Fundação JMJ, Américo Aguiar, num encontro com jornalistas nesta sexta-feira, 21.
A APAV fez um “levantamento dos melhores procedimentos em eventos internacionais e apresentou um caderno de encargos”, esclareceu o bispo durante a conversa, que decorreu na sede da JMJ Lisboa 2023, na zona do Beato.
Os responsáveis da JMJ quiseram que “este trabalho pudesse ser o mais transversal possível”, mas claramente a questão dos abusos sexuais foi um dos temas que pesou nesta decisão. “Para nós, é muito importante e positivo estarmos a viver um processo de transparência total e tolerância zero”, esclareceu o bispo, nas declarações aos jornalistas.
Dois pormenores mostram a importância do tema: qualquer família que acolha jovens ficará a saber que tem de acolher pelo menos dois jovens – nenhum dos participantes fica sozinho e, se tiverem menos de 18 anos, ficarão ainda acompanhados de um adulto. Esta regra já vinha de trás, mas é assumida agora também para a JMJ de Lisboa, incluída no manual que a APAV está a preparar. Por outro lado, todas as pessoas que trabalham no Comité Organizador Local (COL) da Jornada foram convidadas a apresentar registo criminal. “Um sinal”, afirmou o bispo.
O trabalho pedido à APAV tem um carácter claramente “preventivo”, disse ainda Américo Aguiar. “Ter a participação de profissionais muito experientes nesta área e que podem corresponder na área da prevenção e, se infelizmente for o caso, também ajudar a resolver alguma situação que ocorra” é fundamental para os organizadores da JMJ.
O bispo reiterou: “Nada poderá parar este processo de transparência” entre as situações criminosas do passado e o futuro que se deseja livre destes casos. A decisão tomada pela hierarquia católica “é o caminho certo: aguardamos com muito empenho o que será o relatório final da Comissão Independente e o que decorrerá daí; e para a Jornada, é muito positivo que a Igreja esteja a fazer o que está a fazer.”
“Bispos podem e devem escutar”

Paralelamente, a edição de Lisboa 2023 da JMJ prevê uma mudança substancial no programa habitual da iniciativa: em lugar das tradicionais catequeses dos bispos aos jovens, que têm lugar nas manhãs dos três dias antes do fim-de-semana, haverá encontros em que os bispos estarão fundamentalmente a ouvir o que os jovens têm para dizer.
“Vamos fazer com que os jovens de todo o mundo possam começar a juntar perguntas para dirigir aos bispos”, afirmou ainda o responsável principal da JMJ, em resposta ao 7MARGENS. “Os bispos podem e devem escutar” mas, além das perguntas, haverá também jovens que irão intervir nas sessões das três manhãs em que tradicionalmente eram apenas os bispos que faziam uma conferência aos jovens, em forma de catequeses.
Esta ideia, que tinha sido já avançada no início do mês pelo bispo Américo Aguiar ao 7MARGENS, foi entretanto aceite e assumida pelo Vaticano – principal responsável pelo programa das diferentes JMJ – e pela maior parte das conferências episcopais que, no início desta semana, reuniram em Fátima cerca de 300 representantes de todo o mundo. Algumas, no entanto, não aceitaram essa ideia e quererão manter o modelo tradicional da conferência do bispo, com os jovens a escutar – tendo em conta que haverá dezenas de sessões simultâneas, por grupos linguísticos, haverá também formas diferentes de organizar.
“Será uma grande diferença em relação ao que foi até à data a JMJ”, afirmou o bispo Américo Aguiar. “Trata-se de ouvir os jovens e dar-lhes protagonismo.” Aliás, o próprio nome desse momento será alterado no programa. Deixará precisamente de ser designado como “catequese” e adoptará provavelmente uma designação em inglês – uma das hipóteses é rise up, ou “levanta-te”, palavra ligada ao tema da JMJ Lisboa 2023 – “Maria levantou-se e partiu apressadamente”, uma frase do Evangelho de São Lucas, quando começa a ser narrado o episódio da visitação de Maria a sua prima Isabel.
Na perspectiva dos organizadores da JMJ Lisboa 2023 está a possibilidade de organizar três fóruns temáticos: sobre a casa comum, a sustentabilidade e a ecologia, inspirado na Laudato Si’, a encíclica do Papa Francisco sobre esses temas; sobre a fraternidade, o diálogo inter-religioso, a paz ou a democracia, com base na Fratelli Tutti, última encíclica do Papa; e sobre a Economia de Francisco, nome da iniciativa que pretende colocar os jovens a pensar e propor novos modelos de organização económica.
Estes fóruns que se poderiam realizar um pouco por todo o mundo ou em sessões vídeo, e que poderiam acontecer a partir de Janeiro, poderão “desaguar na JMJ em forma de debates”. Que, no final, sugere até o bispo português sem que isso esteja para já assumido, pode também dar origem a um documento com o que os jovens pensam sobre determinados assuntos – do interior da Igreja ou em relação à sociedade. “Poderia até haver, pela primeira vez, uma declaração da JMJ”, concretiza Américo Aguiar.
Guiné-Bissau: 900 euros para vir a Lisboa

De resto, o encontro com os jornalistas – o primeiro de vários que o COL quer organizar – pretendeu fazer o ponto da situação em relação a todos os aspectos logísticos da organização da JMJ. O preço da inscrição, anunciado precisamente no encontro desta semana em Fátima oscila entre 245 euros de máximo para quem participa toda a semana (e que inclui alojamento, alimentação, transporte, seguro e pacote do peregrino) e os 50 euros para quem pretende apenas participar na vigília de 5 de Agosto e na missa de dia 6, ambas com o Papa, e com direito apenas a transporte, seguro e pacote (kit) do peregrino. [ver 7MARGENS]
Para os participantes que vêm dos países mais pobres o Vaticano tem já previsto um fundo de solidariedade. Esta semana, jovens da Guiné-Bissau fizeram chegar à nossa redacção a informação de que fazer a viagem para Portugal pode custar pelo menos cerca de 900 euros a cada um dos 100 a 200 que estão previstos. Da parte do COL de Lisboa haverá “uma atenção particular aos países lusófonos, de modo a diminuir o esforço financeiro da participação”, mas a maior parte desse apoio será decidido pelo Dicastério para os Leigos, a Família e a Vida (DLFV), do Vaticano, a entidade mais directamente responsável pela organização da JMJ.
O secretário executivo da JMJ, Duarte Ricciardi, informou também que até final do ano haverá 22 pessoas de todo o mundo a trabalhar como voluntários na sede do COL. Já é seguro – porque o programa habitual assim o prevê – que na quinta-feira, dia 3 de Agosto, o Papa estará na cerimónia de boas-vindas. Mas não se sabe ainda quando irá a Fátima – será o próprio, com os serviços do Vaticano, a estabelecer se isso acontece antes de dias 3 ou depois de domingo.
Ricciardi reafirmou que as inscrições na JMJ abrirão até final do mês. E a responsável pela comunicação, Ana Alves, afirmou entretanto que até final do ano a página oficial da JMJ será refeita e relançada, aparecendo com os cinco idiomas oficiais.