
O teólogo João Manuel Duque, contemplado com o Prémio Árvore da Vida 2021, na cerimónia de entrega no Auditório Vita, em Braga, 15 Setembro 2022. Foto © Rui Jorge Martins:SNPC
Pelo seu trabalho académico de produção teológica em que se tem posicionado como “cruzador de fronteiras”, o catedrático João Manuel Duque recebeu esta quinta-feira, 15 de setembro, em Braga, o prémio Árvore da Vida – Padre Manuel Antunes. Na sessão, que decorreu no Espaço Vita, aproveitou para enunciar vários desafios ao trabalho teológico, em que se destaca a “elaboração de uma teologia universitária, em permanente atenção ao debate cultural contemporâneo”.
Entendendo o prémio como “reconhecimento e valorização de um estilo de teologia que não se limita a refletir a vida interna da Igreja, mas que procura contribuir para o debate sobre a vida comum a todos os humanos, em todas as suas dimensões”, o homenageado reconheceu que “esse trabalho é muito importante para a vida da Igreja, na formação dos líderes eclesiais e na reflexão crítica sobre as dinâmicas culturais do nosso tempo”. Nesse sentido, o prémio Arvore da Vida, pela primeira vez atribuído a um teólogo, é um reconhecimento individual, mas também será a valorização do trabalho da Faculdade de Teologia em Portugal, ao longo dos últimos mais de 50 anos.
João Duque chamou, nesta linha, a atenção para a validade, mas também para os limites de uma abordagem “exclusivamente centrada na reflexão sobre a vida interna da comunidade eclesial ou sobre elementos exclusivamente focados na tradição cristã ou mesmo eclesiástica”. Um tal paradigma, além de insuficiente, pode ser “mesmo perigoso”, se assumido como exclusivo, já que “não permite um certo grau de intervenção pública da teologia, alimentando problematicamente um potencial espírito de seita ou de bolha”.
Evitar que a comunidade eclesial se feche numa bolha
O reduzido eco da teologia no espaço público foi apontado pelo professor da Universidade Católica como um problema, visto que, do seu ponto de vista, “pode ser muito pertinente na busca e nas propostas para a construção de um mundo comum, muito para além das identificações religiosas”.
Compreende-se, assim, a aposta de João Duque, ao longo das últimas décadas, traduzida numa quantidade e diversidade assinalável de livros e artigos,
e que tem visado dar corpo a dois objetivos fundamentais: “fazer ouvir a voz teológica no concerto dos saberes e das realizações culturais; fazer ouvir a voz dos saberes e das culturas no interior da voz teológica”. Ainda que algo tenha conseguido quanto ao primeiro aspeto (um exemplo seria o professor coimbrão João Monteiro que fez, na sessão de Braga, uma detalhada e erudita apresentação do pensamento de João Duque e que este considerou porventura o único leitor da totalidade da sua obra, sendo, embora, um catedrático de Direito e um teólogo não profissional), o premiado reconheceu que tem sido no segundo objetivo que tem tido êxito, ou seja, “na tentativa de fazer ressoar a voz dos saberes e das realizações culturais no interior do discurso teológico”. Em seu entender, isso será essencial para evitar que a comunidade eclesial se feche “numa bolha estranha ao mundo”.
Nesse esforço de interpretação de contributos de alguns pensadores contemporâneos, este professor e investigador de teologia tem vindo a perceber neles “uma proximidade muito grande ao pensamento teológico e vice-versa”.

Comunicação, Casa Comum, tecnologia e contexto
Na parte final da sua intervenção, João Duque aproveitou para propor à vasta audiência presente na sessão “um conjunto de desafios que se colocam atualmente aos humanos e que são, inevitavelmente, também desafios colocados à teologia”.
Esses desafios têm que ver com o “peso dos sistemas nas formas de vida contemporânea”, colocando questões de “reconsideração ou desconstrução do estatuto dos humanos no conjunto da realidade”, nas suas vertentes política, económica, religiosa e tecnológica. Para esta “aguda” questão antropológica, exige-se, por isso, “uma reflexão transdisciplinar, de ampla envergadura, sobre alguns pontos nevrálgicos da relação do humano ao mundo”, observa João Duque.
Os desafios enunciados foram vários. O primeiro diz respeito ao debate que se torna necessário sobre a relação dos humanos uns com os outros, para o qual apresenta um conjunto de perguntas que, entende, se encontram refletidas na encíclica Fratelli Tutti, o que não significa que estejam desenvolvidas e menos ainda resolvidas.
O segundo desafio decorre da agudização da “consciência do significado da relação dos humanos com a realidade não humana em que vivemos”, ou seja, com a “reconsideração do nosso lugar no planeta”.
Segue-se, em terceiro lugar, o desafio da relação do humano com a tecnologia, “hoje configurada digitalmente e aprofundada como inteligência artificial”, que exige debate para além das posições divinizadoras, diabolizadoras ou naturalizadoras do objeto tecnológico.
Refletindo sobre a relação entre estas questões e o discurso teológico, João Manuel Duque reforça a ideia de este discurso não deve ser umbiguista e que as comunidades eclesiais, e toda a estrutura da Igreja, têm de estar permanentemente envolvidas e interessadas nas questões significativas da humanidade, sobretudo naquelas que tocam a convicção fundamental do que seja humano e do que seja o seu sentido sobre a terra”. “A teologia – acrescentou – deveria, por isso, falar para fora, a partir de dentro, e falar para dentro a partir de fora”, num “movimento permanente de vaivém” entre realidades que se distinguem, mas não estão separadas.

Finalmente, João Duque recordou que a “incarnação do pensamento teológico é a sua contextualização cultural”. Neste caso, o contexto e a perspetiva é a de uma Europa aberta aos seus dinamismos e aos dinamismos do mundo. E isso coloca, segundo o teólogo, dois desafios: “pensar-nos em relação aos outros diferentes de nós” (os desafios do denominado pensamento decolonial, por exemplo); e “pensar-nos nos dinamismos internos à Europa”. Os dois “caminhos promissores que Duque vê neste segundo aspeto são, “por um lado, a relação da teologia com a política de acolhimento do outro diferente de nós, nomeadamente na questão das migrações e dos refugiados”; por outro lado, acrescentou, “tendo em conta a rica tradição europeia, há percursos muito interessantes na relação da teologia com o mundo da cultura, nomeadamente o mundo das artes, no sentido mais abrangente”. Aí, há “parceiros desafiantes, que procuram interpretar o mundo comum em formas muitas vezes próximas ao discurso teológico”.
Esforço de pensar, debater e compreender os desafios propostos, “a teologia não está só, pois a academia conhece já interessantes percursos, por parte de outros saberes, no sentido muito próximo” ao referido. “Como tal, se quisermos que a Igreja não se feche no seu gueto e se desejamos que a teologia europeia preste um serviço à relação da Europa consigo e com os outros, na busca de um mundo comum, a teologia terá de entrar num trabalho transdisciplinar muito enriquecedor”, não havendo “melhor contexto para esse trabalho do que a Universidade, seja Católica ou não”, afirmou João Duque, a finalizar.
O texto integral da intervenção de João Manuel Duque pode ser lido na página do Secretariado Nacional da Pastoral da Cultura.