
José Ornelas foi reeleito presidente da CEP. Foto © Agência ECCLESIA/MC
O presidente da Conferência Episcopal Portuguesa (CEP) afirmou que não é o escândalo que o preocupa, mas sim o facto de terem existido casos. Numa entrevista às agências Lusa e Ecclesia, depois da sua reeleição no cargo, José Ornelas foi categórico: “A Igreja não está acima da lei.”
O também bispo de Leiria-Fátima revelou na entrevista que o Grupo Vita — agora constituído — vai atuar na “intervenção” em situações de abuso de menores e na prevenção, assumindo que as indemnizações a pagarem às vítimas decorrem da lei portuguesa.
Percorrendo outros temas da Igreja em Portugal, o presidente da CEP afirmou que “não é aceitável” ter dioceses há mais de um ano sem bispo e que o Sínodo vai indicar alterações no Direito Canónico em “questões novas”.
Os abusos sexuais voltaram a ser um dos temas fortes desta entrevista à Agência Ecclesia e à Agência Lusa. Para o bispo de Leiria-Fátima, a “credibilidade” da Igreja não fica ferida por se conhecerem casos de abuso sexual e por ter tido “a coragem de chamar as coisas pelo seu nome e de agir”. “Não me preocupa o escândalo, preocupa-me que tenham existido esses casos” de abuso de menores, afirmou D. José Ornelas.
“O pior seria eu cometer uma asneirada e, para me defender, continuar a encobri-la ou simplesmente dissimulá-la. Quem quiser outro tipo de credibilidade vá à vontade, comigo não pega”, afirmou. “A credibilidade vem da busca da verdade das coisas para se encontrar soluções. A atual fase é precisamente a da intervenção e é para isso que aí estamos.”
Comissão “foi absolutamente necessária”
Aceitando o “desconforto” de algumas pessoas que questionam a iniciativa da CEP de ter criado uma comissão independente (CI) para investigar situações de abuso no passado, José Ornelas afirma que “foi julgada absolutamente necessária” nesta época, com o “objetivo de permitir conhecer a realidade, concretamente na Igreja”. “Eu não posso dizer se os tais quinhentos e tal casos de pessoas que contactaram a comissão são muitos ou poucos. Eu só sei que qualquer um é um drama”, sustentou o bispo.
D. José Ornelas disse também que sempre mantiveram contacto com “as instâncias que tratam estes assuntos na Santa Sé, concretamente o Dicastério para a Doutrina da Fé” e garantiu que os dados recolhidos pela CI vão permanecer “devidamente acautelados”, respeitando a autoria do estudo, e tendo em conta que foi pedido pelo episcopado português.
Na entrevista realizada no contexto da sua reeleição para a presidência da CEP, José Ornelas garantiu que “as pessoas que foram abusadas, em ambiente de Igreja, vão ter a ajuda necessária”, nomeadamente as indemnizações que decorram “de um processo jurídico”, referindo que “as dioceses vão assumir os casos que estão ligados a elas”.
“O que nós dizemos é que ninguém vai ficar sem ajuda para aquilo que é justo e para a sua vida, mesmo que, ou porque não se fez um processo ou porque o abusador não tem meios para isso. O que nós vamos fazer é disponibilizar ajuda! É por isso que não pomos em termos jurídicos. Se for em termos jurídicos, é evidente que vai haver um processo e é evidente que nós não estamos acima da lei”, reiterou, referindo-se à Igreja portuguesa.
“Processo de nomeação de bispos não está a funcionar”

Na entrevista, o presidente da Conferência Episcopal Portuguesa (CEP) afirmou que o processo de nomeação de bispos “não está a funcionar” e considerou “inaceitável” ter dioceses sem bispo há mais de um ano, sugerindo que o Sínodo vai alterar normas atuais.
“Nós termos neste momento duas dioceses que já há um ano e tal estão sem bispo, uma já quase há um ano e meio, isto não é aceitável a meu ver”, afirmou D. José Ornelas, acrescentando que não tem elementos para afirmar se o atraso na nomeação decorre da “recusa” por parte de quem é escolhido, como noticiou o 7MARGENS.
O bispo de Leiria-Fátima sustentou que é necessário “rever” processo de nomeação dos bispos “para agilizá-lo e para o tornar mais participativo”.
D. José Ornelas considera o papel do Papa na nomeação dos bispos de todo o mundo “muito importante”, assim como a participação alargada “em termos de consulta de pessoas”, nomeadamente “leigos, padres, bispos”, mas defende uma organização “de outra forma, agilizando melhor, tornando mais rápido e eficiente o processo de escolha”.
Casais gays: “Jesus nunca recusou ninguém”
O presidente da CEP valorizou o “caminho de sinodalidade” que está a acontecer “em toda a Igreja”, lembrando que há “questões novas” que “precisam ser repensadas e ajustadas”. “Hoje temos questões novas que o Papa Francisco diz ‘não busquem simplesmente soluções do passado para os problemas de hoje’, não vai dar certo.”
A respeito de casais em segunda união ou uniões homossexuais, o presidente da CEP sublinhou que a Igreja não pode “simplesmente ignorar” a situação de “grande parte dos casais” que “acabam em separação” e disse que, no seguimento dos “caminhos que o próprio Papa Francisco foi abrindo sobre as questões de matrimónio”, é preciso ajudar as pessoas “a fazer um caminho de verdade e discernimento sobre a sua própria vida”, lembrando que “Jesus nunca recusou ninguém”.
“A Igreja não é só gente perfeita! É de gente que, às vezes, vive situações onde uma solução normal não chega!”, referiu.
D. José Ornelas referiu-se também a temas que “estão em franca discussão”, nomeadamente a ordenação de padres casados, lembrando que “é uma questão disciplinar, não é dogmática, que deve ser discutida, aceite e implementada pela Igreja no seu todo e não simplesmente porque cada um”.
O bispo de Leiria-Fátima considera que, pessoalmente, o sacerdócio das mulheres “é um tema que está em cima da mesa”, mas “não se põe ao mesmo nível dos outros” por razões “culturais”, sendo necessário não olhar apenas para a Igreja na Europa, mas “para a Igreja que está em todo o mundo, em diferentes culturas”.
“Não é simplesmente uma questão de moda, mas de ir ao encontro de uma sociedade que mudou e de uma cultura que está a mudar e encontrar a linguagem e caminhos novos para ir ao encontro dessa cultura. Foi sempre assim na Igreja.”
Por fim, o presidente da CEP afirmou que é necessário “rever” a democracia, disse que há perigos que “estão à vista” e fala em “dificuldade” em gerir o país, alertando para a crise social crescente.