Os portugueses, ainda que muito ligados ao fenómeno religioso, estão tendencialmente a afastar-se dele, sobretudo no que à vinculação a instituições religiosas diz respeito, e em particular à instituição católica. Esse afastamento é vincadamente mais saliente entre os jovens adultos. Estas são algumas das conclusões a que chega o sociólogo Eduardo Duque, padre da diocese de Braga, num estudo editado pelas Edições Afrontamento, que esta sexta-feira, 4, foi apresentado em Braga.
O livro, intitulado Valores e religiosidade em Portugal – comportamentos e atitudes geracionais, incorpora a apresentação e análise dos dados pertinentes do European Values Study (EVS) relativos aos estudos publicados em 2008 e 2020. Este projeto de largo alcance, iniciado em 1981, foi articulado, a partir de 2017, com o World Values Survey, no qual Portugal participa desde 1990, nessa altura com coordenação do frade dominicano e também sociólogo Luís de França.
Das pessoas que responderam através de inquérito (com dados recolhidos antes da eclosão da pandemia, no caso de 2020), quase três quartos (73 por cento) declarou-se religiosa em 2008, tendo essa percentagem baixado para 69 por cento doze anos depois.
As mulheres manifestam um sentimento religioso mais acentuado do que os homens. Estes, por sua vez, afirmam-se mais não religiosos ou ateus. No mesmo período, a percentagem das pessoas que, declarando-se religiosas, disseram pertencer a uma confissão específica, baixou cinco pontos percentuais (passando de 81 para 76 por cento).
O catolicismo, maioritário, foi também a confissão em que o decréscimo de seguidores mais se fez sentir: nos 12 anos em referência, a percentagem passou de 76 para 69.
Nas igrejas: 5% de jovens e 75% de idosos
Aquilo a que Eduardo Duque chama “desvinculação religiosa” é manifestamente mais pronunciada no caso dos mais novos. De facto, em 2008, 69 por cento dos respondentes com idades compreendidas entre os 18 e os 29 anos diziam pertencer a uma religião. Em 2020, essa percentagem situava-se nos 42 por cento (a título comparativo, no grupo etário de 50 e mais anos, a descida foi de 84 para 81 por cento).
Já no que respeita à pertença à religião católica, a queda é também significativa entre o grupo etário mais jovem: os que se afirmavam católicos eram 23 por cento em 2008 e apenas 11 por cento em 2020.
Como é expectável, a intensidade da relação com a Igreja Católica difere entre os seus fiéis. O autor do estudo definiu essa intensidade com as categorias “praticantes frequentes” (assistem a serviços religiosos pelo menos uma vez por semana); “praticantes pouco frequentes” (uma vez por mês); “praticantes sociais” (uma vez por ano ou festas cíclicas); e “não praticantes”. Os dados apurados nesta vertente, no inquérito publicado pelo EVS em 2020, permitem concluir que apenas 20 por cento dos que se dizem católicos declaram ter uma prática frequente e 16 por cento pouco frequente. Ou seja, a maioria tem uma relação bastante distanciada: 47 por cento de longe a longe e 16 por cento sem qualquer tipo de prática. Também quanto a esta regista-se uma descida de sete pontos percentuais dos católicos de prática frequente, quando se comparam os dados apresentados com os do estudo de 2008.
Deus e a oração continuam valorizados

Pôr do sol em Taizé (França), com vários monges da comunidade: para muitos católicos, “há uma valorização da oração, mesmo entre os que referem uma prática menos frequente ou ocasional e até mesmo entre os não-praticantes.. Foto © Taizé
Neste capítulo das práticas, e novamente, é no grupo etário mais jovem que a deserção se verifica. Tomando apenas os praticantes frequentes dos 18-29 anos, eles representavam 23 por cento no final da primeira década do séc. XXI e apenas 10 por cento em 2020. Os cálculos feitos por Eduardo Duque levaram-no a concluir que, de entre os católicos que participavam em 2020 regular e assiduamente nos atos religiosos, em média, apenas 5 por cento eram jovens e 75 por cento tinham 50 e mais anos.
O Estudo Europeu sobre Valores, como o próprio nome indica, alarga-se a um leque de temáticas mais amplo, que o autor aproveitou no seu trabalho. Através dos resultados do livro fica-se a saber que, apesar do afastamento e desvinculação da população portuguesa (aqui estudada), cresceu, no período considerado o número de pessoas que atribuem importância a Deus: eram seis em cada dez e passaram a ser sete em cada 10, entre 2008 e 2020.
Na mesma linha, é interessante verificar que, para muitos católicos, há uma valorização da oração, mesmo entre aqueles que referem uma prática menos frequente ou ocasional e até mesmo entre os não-praticantes.
Católicos desconfiam mais
O autor do estudo criou um índice de religiosidade que conjuga um conjunto de variáveis e que lhe permite confirmar que, tudo sopesado, se verifica, em termos gerais, uma descida ligeira do índice de religiosidade entre as duas edições do estudo e que este índice regista valores mais altos entre as mulheres, os mais velhos e entre os católicos. Uma vez mais, o índice de religiosidade é mais baixo entre os mais jovens, que registam um valor abaixo do ponto médio da escala (de 1 a 5).
Há ainda no estudo informações acerca do posicionamento perante alguns valores como inclusão social, justificação e aceitabilidade de comportamentos, direitos e responsabilidades. Os resultados são cruzados com variáveis como a idade, o sexo ou as posições religiosas dos inquiridos. Na impossibilidade de fornecer aqui mais pormenores, refira-se apenas o item da confiança que podemos ter nos outros.
Os resultados são elucidativos: à roda de 80 por cento dos portugueses não confia nos outros e acha que “todo o cuidado é pouco”. A à medida que a idade aumenta, a desconfiança cresce. Neste caso, os mais jovens surgem como aqueles que mais confiam e ainda assim também confiam pouco. Mas quem confia mesmo muito pouco são os católicos: 88 por cento não confia (os fiéis de outras religiões são 79 por cento e os sem religião 70 por cento).