
O Papa quer que transformemos “o mundo real onde vivemos num mundo em que o cuidado com os outros venha em primeiro lugar”, afirma Rita Sacramento Monteiro, uma das portuguesas que participam no encontro em Assis (na imagem, a quinta a contar da direita). Foto © EoF Portugal.
Têm entre 23 e 44 anos, vêm de diferentes regiões do país, e estudam ou trabalham em áreas tão diversas como o direito, a comunicação, o serviço social ou a engenharia (e a economia, pois claro). São ao todo 19 os elementos do grupo português que acaba de chegar a Itália para participar no encontro internacional da Economia de Francisco, que arranca esta quinta-feira, 22, e se prolonga até sábado, na cidade de Assis. Une-os o desejo de colocar aquilo que são e sabem ao serviço de uma “economia diferente”, que cuide da casa comum e procure o bem de todos.
A eles irão juntar-se cerca de mil jovens vindos de todo o mundo e, na manhã do último dia, o próprio Papa estará também presente neste encontro internacional, que o 7MARGENS irá acompanhar presencialmente. Ele que esteve na origem desta iniciativa, quando, em maio de 2019, numa carta dirigida especialmente aos jovens, desafiou todos a participarem num evento com o propósito de repensar uma “economia diferente, que faz viver e não mata, inclui e não exclui, humaniza e não desumaniza, cuida da criação e não a devasta”.
Mas o que pretendia exatamente o Papa ao lançar esse desafio? “Em primeiro lugar, o Papa quer pôr-nos a mexer, a caminho, para transformarmos o mundo real onde vivemos, e do qual a economia é uma dimensão fundamental, num mundo em que o cuidado com os outros venha em primeiro lugar”, responde sem hesitar Rita Sacramento Monteiro, uma das participantes portuguesas na iniciativa, que integra a equipa de coordenação do movimento Economia de Francisco (EoF) Portugal.
“Neste momento, vemos que o produto da economia é uma série de desigualdades e que há muitos impactos negativos gerados por ela, nomeadamente as alterações climáticas”, verifica Rita. O Papa decidiu então “colocar a tónica no encontrar soluções” e, apesar de a Economia de Francisco se destinar “a todos”, ele “pede aos jovens que a liderem, porque precisa da energia dos jovens, porque sabe que as gerações mais novas têm uma sede muito particular de justiça, e porque são as que vão continuar a lidar com as desigualdades que estão a ser geradas, com as alterações climáticas, com uma Terra que geme”, justifica.
Não quer isto dizer que os “menos jovens” não estejam envolvidos no movimento e não participem neste encontro em particular. Mas o modelo de trabalho “é menos hierárquico do que aquilo a que estamos habituados, e é até bastante disruptivo”, destaca a responsável da EoF Portugal. Os “seniores” (como são chamados os elementos mais velhos, e que, são, na sua maioria, professores universitários), “põem-se no papel de querer ouvir os jovens, de dar espaço às novas ideias, e humildemente e generosamente ajudar a concretizá-las”.
Ricardo Zózimo, professor de Empreendedorismo e Sustentabilidade na Nova School of Business & Economics, é um deles. É o elemento mais velho do grupo português em Assis, acompanha o movimento desde a sua génese e confirma a perceção de Rita Sacramento Monteiro: “O Papa quer mais ação e menos conversa. E quer que os jovens sejam os protagonistas desta ação.” A esse propósito, recorda o conselho que ele e outros “seniores” receberam do consagrado do Movimento dos Focolares e diretor científico da iniciativa promovida pelo Papa, o professor Luigino Bruni: “Não se imponham.”
Um conselho que decidiu cumprir à risca. “Estive sempre na retaguarda a ajudar a Rita e os outros jovens, mas nunca como protagonista”, conta. Na sua opinião, o objetivo desta iniciativa do Papa Francisco é “construir uma economia inclusiva, mais justa, e que tenha em conta as questões ambientais”. Ora, “para construirmos isto, precisamos de ter a irreverência dos jovens, a inovação dos empreendedores sociais e a criatividade do pensamento daqueles que estão a refletir sobre estes temas sem estarem agarrados ao passado”.
Levar a Economia de Francisco mais além

Participantes à chegada a Assis. A Economia de Francisco não pode ser “mais um conjunto de grupos de amigos, que fazem muitos eventos, mas que não passam do lado festivo e convivial”, alerta o professor Américo Mendes. Foto © The Economy of Francesco.
A verdade é que “quem tem estado até agora com estas responsabilidades está a falhar essa missão”, refere Américo Mendes, professor de Economia na Católica Porto Business School. “Não é nada intenção do Papa desanimar os mais velhos, mas os jovens naturalmente têm uma energia e capacidade de inovação, de sonhar… e o sonho comanda a vida”, explica aquele que é outro dos “seniores” que acompanha o movimento desde o início.
Por isso, e apesar de considerar que a Economia de Francisco não é uma coisa que se ensina, mas que se pratica e da qual se deve “dar testemunho”, Américo Mendes tem falado sobre ela aos seus alunos e já mobilizou alguns para se envolverem nela. “Ainda há pouco recebi um e-mail de uma ex-aluna a partilhar que estava a caminho de lá”, conta ao 7MARGENS.
Américo Mendes confessa que também “gostaria de estar no avião a caminho de Assis” e tem elevadas expectativas em relação a este encontro na cidade que, como descreveu o Papa na sua carta, “desde há séculos é símbolo e mensagem de um humanismo da fraternidade”.
“Acho que o essencial que vai resultar deste evento é o encontro de pessoas de geografias e com experiências de vida muito diferentes, que têm uma oportunidade única de se conhecerem, estabelecerem contactos, e interagirem de uma forma que o online não permite”, afirma. E mostra-se curioso para descobrir que “ideias concretas e projetos vão ser apresentados, alguns já em curso e outros que estão a ser iniciados” para levar à prática a Economia de Francisco.
No entanto, alerta, a Economia de Francisco “não pode ficar circunscrita a quem vai a Assis, a quem participa formalmente neste processo”, nem ser “mais um conjunto de grupos de amigos, que fazem muitos eventos, mas que não passam do lado festivo e convivial”. “Quem está neste processo tem de ser instrumento ao serviço desta economia, vivê-la na vida pessoal e profissional”, defende o professor da Universidade Católica, assinalando que “há muitas pessoas anónimas por esse país e mundo fora que, não tendo o ‘rótulo’ da Economia de Francisco e nem tendo ouvido falar nisso, a praticam.” E “é preciso trazer esses exemplos positivos para o conhecimento de todos”.
É preciso, também, levar a Economia de Francisco para além do meio católico. “Esse é um dos grandes desafios”, considera Américo Mendes, que ainda assim revela que alguns passos já têm sido dados nesse sentido. Ele próprio está a acompanhar a investigação de um aluno chinês, em Pequim, sobre empresas sociais, e a quem foi atribuída uma bolsa no âmbito da Academia da Economia de Francisco. “Não é católico, nem esse foi um dos critérios para a atribuição destas bolsas”, assegura.
Repetir o milagre da multiplicação dos pães
Mas já houve mais passos dados neste caminho da Economia de Francisco, e concretamente no nosso país, conta Rita Sacramento Monteiro: a constituição, dentro do EoF Portugal, de “uma equipa que trabalhou diretamente com a Rede Europeia Anti-Pobreza”; a criação do podcast Terra a Terra, ou a dinamização de dois cursos online nos quais participaram mais de três centenas de pessoas são apenas alguns exemplos.
Estas e outras experiências serão partilhadas por Rita ao longo dos próximos três dias em Assis. “Estou muito entusiasmada, vai ser um momento forte de encontro, de troca de ideias, de muito diálogo, e eu sei que a nossa voz vai contar e vai ser ouvida. Vão ser dias de presente e de futuro”.
É precisamente no futuro que Ricardo Zózimo tem já os olhos postos, e não é um futuro assim tão distante. “Espero que possamos mostrar ao Papa, em agosto de 2023 [data da Jornada Mundial da Juventude, em Lisboa] alguns frutos deste trabalho. Porque isto da economia é uma coisa concreta da vida das pessoas e o que o Papa nos está a pedir é que os jovens levem para a sua casa e para as suas paróquias a economia de Francisco”.
O que o Papa nos está a pedir é, diz Américo Mendes, que “organizemos a economia de modo a repetirmos o mais possível o milagre da multiplicação dos pães”. O que “não significa fazermos coisas sobrenaturais”, mas sim “partilharmos com os outros o muito ou pouco que tivermos, sem esperar necessariamente contrapartidas, porque o nosso objetivo é o bem comum”, conclui.