
A Cúpula do Rochedo e a Mesquita de Al Aqsa, vistas do Jardim das Oliveiras, em Jerusalém: o conflito entre Israel e o Hamas foi atiçado pelos muçulmanos franceses, acusam os judeus de França. Foto © António Marujo
O Conselho Francês do Culto Muçulmano (CFCM) foi recentemente acusado por uma instituição judaica em França de ter atiçado o conflito que decorria então entre Israel e o Hamas, na Faixa de Gaza, recorrendo à religião, o que poderia colocar em perigo os judeus em França.
A questão tem origem num comunicado emitido pelo CFCM, em 19 de maio passado, para denunciar “com o maior vigor os crimes de guerra perpetrados contra as populações civis” e apelava a todas as forças interessadas na causa da paz e da justiça que tudo fizessem no sentido de “um cessar-fogo imediato” e da construção de “ uma paz justa e duradoura”.
Nesse comunicado, entre outras medidas, o CFCM apelava aos imãs e responsáveis das mesquitas, que além da recolha de fundos para apoio à causa palestiniana e a iniciativas de apadrinhamento entre mesquitas e famílias de França e da Faixa de Gaza, que dedicassem o sermão da sexta-feira seguinte a divulgar o lugar da mesquita de Al-Aqsa, o terceiro maior lugar sagrado do Islão, e a cidade de Al-Quds (Jerusalém) na religião muçulmana.
Foi este último aspeto que levou o diretor do Centro Wisenthal para as Relações Internacionais, de Paris, a escrever, numa carta dirigida ao ministro francês do Interior e dos Assuntos Religiosos, que este tipo de posicionamentos corria “o risco de pôr em perigo os judeus de França”.
Nunca, até ao momento, ninguém tinha ousado colocar o conflito num enquadramento religioso, notava aquele Centro.
O problema levantado pela instituição judaica toca uma questão politicamente melindrosa no contexto francês. Para evitar que as organizações muçulmanas alimentem ou venham a ter relações com grupos religiosos muçulmanos radicalizados, o Presidente Macron desenvolveu ao longo de 2020 negociações com as várias organizações representativas dos muçulmanos em França, procurando que elas se vinculassem aos “valores republicanos”.
O CFCM foi precisamente um dos que assinaram, no início deste ano, um acordo oficial em que se denuncia, nomeadamente, a “instrumentalização” política do islão, se proíbe a “interferência” de Estados estrangeiros no culto na França e se reafirma a “compatibilidade” da fé muçulmana com a República. Desse processo desligaram-se três federações muçulmanas que consideraram que o acordo violava a sua autonomia religiosa. Essa desvinculação foi, na altura, duramente criticada pelo presidente do Centro do Culto Muçulmano.
A verdade é que essas três federações, lideradas pela Federação da Mesquita de Paris, com um responsável considerado dinâmico e aberto ao diálogo inter-religioso, assumiram, no conflito israelo-palestiniamo, uma posição mais equilibrada do que o CFCM. Sobretudo, procuraram contrariar o enfoque do conflito entre Israel e o Hamas da Faixa de Gaza como um problema religioso. “Este conflito não é de uma religião contra outra. Ao contrário, as religiões convocam e estimulam constantemente a paz e a fraternidade ”, sublinharam.
Quando o Centro Wisensthal vem agora alertar para o teor do comunicado de maio do CFCM, o que está a querer dizer é que é, afinal, este Centro – que assinou o acordo – aquele que incentiva ações que poderão servir para apoiar grupos ligados “à organização terrorista do Hamas”.