
Cardeal Joseph Zen, arcebispo emérito de Hong Kong, numa manifestação em 2014: o cardeal tem sido uma voz na defesa da liberdade. Foto Wai Wan Tong/Wikimedia Commons
Estava previsto para segunda-feira, 19, o julgamento do cardeal Joseph Zen e mais alguns colaboradores, mas o tribunal de Hong Kong passou a primeira sessão para esta quarta-feira, 21 – embora ainda não haja confirmação oficial da data. O motivo deveu-se ao facto de um dos juízes ter testado positivo ao coronavírus, segundo a agência católica de informação Asia News.
O cardeal, atualmente com 90 anos, tem sido um combatente pelas liberdades civis e religiosa e pela democracia e autonomia de Hong Kong, nos termos em que essa autonomia foi negociada entre a República Popular da China e o Reino Unido – “um país, dois sistemas” – pelo período de 50 anos).
A sua prisão, em maio último, foi feita a pretexto de ter gerido um fundo, não registado, de solidariedade para com movimentos de contestação popular que eclodiram em 2019 no território, em protesto contra uma lei que pretendia abrir a possibilidade de transferir, para a China continental, pessoas imputadas por crimes de segurança nacional, para lá serem julgadas. A par disso, Zen foi igualmente acusado de “conluio com agentes estrangeiros”. Não é ainda claro se a acusação será feita por motivos de segurança nacional ou apenas por prevaricação de não ter registado o fundo solidário.
A Asia News dá conta de que o receio das “repercussões internacionais” de um caso mediático como este terá levado as autoridades chinesas a deixar cair a acusação mais grave.
O episódio ganha, contudo, outros contornos, dado que o cardeal Zen tem sido um crítico contundente e insistente do acordo negociado entre o Vaticano e a China em 2018 e renovado em 2020. Atualmente correm negociações entre as duas partes com vista a uma renovação por mais dois anos.
Neste quadro, tem sido objeto de comentários críticos o facto de o Papa não ter vindo a público apoiar o cardeal, mesmo que apenas por razões humanitárias, não o tendo feito mesmo internamente, no recente consistório em Roma, no qual Zen não pôde estar presente, como denunciaram alguns cardeais.
Na sua coluna na UCA News, Benedict Rogers coloca a questão no quadro mais vasto do acordo entre o Vaticano e a China: “O Papa e o Vaticano têm três opções. Poderiam simplesmente renovar o acordo, sem revisão, sem emendas, sem transparência e sem apelo à mudança. Poderiam, alternativamente, procurar condições para a renovação. Poderiam insistir na libertação do clero católico e numa distensão das restrições à prática religiosa, e o Papa poderia pôr fim ao seu silêncio sobre o genocídio dos uigures, Tibete, Hong Kong e a perseguição dos cristãos.”
O colunista, membro da Comissão do Partido Conservador britânico para os Direitos Humanos, e que tem sido muito crítico da posição do Papa e do Vaticano, sugere ainda, como alternativa: “Ou poderiam dar o arrojado passo de reconhecer que o acordo nada conseguiu e foi prejudicial em muitos aspetos, e suspendê-lo. Realisticamente, é pouco provável que tome essa terceira opção. Mas espero que o Papa e o Vaticano considerem seriamente a opção intermédia, a fim de mitigar os danos causados, recuperar algo da sua autoridade moral e sinalizar a Pequim que não continuarão simplesmente a submeter-se a um regime brutal, repressivo, criminoso e genocida. Se não o fizerem, isso causará danos incalculáveis ao legado deste Papa.”
No regresso da sua viagem ao Cazaquistão, na última semana, a questão foi colocada diretamente a Francisco por uma jornalista e a resposta foi diplomática:
“Para compreender a China é preciso um século, e nós não vivemos um século. A mentalidade chinesa é uma mentalidade rica e, quando adoece um pouco, perde a riqueza, é capaz de cometer erros. Para compreender, nós escolhemos a via do diálogo, estamos abertos ao diálogo. Há uma comissão bilateral Vaticano-China, que está a funcionar, lentamente porque o ritmo chinês é lento; eles têm uma eternidade para avançar: é um povo de infinita paciência”.
E indo mais diretamente ao caso, acrescentou: “Não me apetece qualificar a China como antidemocrática, porque é um país tão complexo, com os seus ritmos próprios… É verdade que há coisas que, a nossos olhos, parecem não ser democráticas. Isto é verdade! O cardeal Zen, idoso, será julgado nestes dias, creio eu. Ele diz o que sente, e vê-se que lá existem limitações. Mais do que qualificações – porque é difícil, e não me apetece qualificar – são impressões; mais do que qualificar, procuro apoiar a via do diálogo.”