
Coordenador da Pastoral do Povo de Rua da arquidiocese de São Paulo, o padre Júlio Lancellotti trabalha há mais de 30 anos no apoio aos mais pobres e vulneráveis da cidade. Foto reproduzida da página padrejulio.lancellotti na rede Instagram.
É conhecido como o “padre rebelde” e o primeiro a confessar que, já no jardim de infância, “deixava as freiras de cabelos em pé”. De origem italiana, Renato Júlio Lancellotti nasceu em São Paulo, Brasil, cidade que o viu crescer e onde há mais de 30 anos se dedica a ajudar a população marginalizada. Nos últimos meses, tem sido alvo de uma campanha de insultos e até ameaças de morte devido ao seu trabalho com os sem-abrigo, em particular durante o período da pandemia. O Papa telefonou-lhe no passado sábado, 10 de outubro, para lhe assegurar que “o mais importante é estar com eles [os pobres], como Jesus fez”. No dia seguinte, após a oração do Angelus, Francisco fez questão de falar de Lancellotti ao mundo e não escondeu a admiração que sente por ele: “É o mensageiro de Deus”, afirmou.
Coordenador da Pastoral do Povo de Rua da arquidiocese de São Paulo, o padre Júlio Lancellotti, 71 anos, esteve desde sempre ao lado dos mais pobres e vulneráveis, em particular os toxicodependentes, doentes de sida, mendigos, prostitutas e travestis, o que já lhe valeu uma série de “inimigos”, nomeadamente entre elementos das forças policiais que operam na cidade.
No ano passado, a Organização dos Estados Americanos (OEA) pediu ao governo brasileiro que garantisse a sua segurança como “medida de precaução”, depois de os seus advogados terem apresentado uma lista de ameaças publicadas nas redes sociais. “Morte ao padre Júlio”, diziam. “Alguém devia mandar este padre para o inferno. E depois os seguidores dele”. Mas as ameaças não pararam, pelo contrário.
No passado dia 15 de setembro, Lancellotti publicou um vídeo nas redes sociais, dizendo que estava “cada vez mais em risco”. Nesse vídeo, conta que foi insultado na rua por um motociclista, que lhe gritou: “Padre filho da p… que defende noia” (ou seja, toxicodependentes), e sugere que a responsabilidade por este e outros insultos é também de “alguns candidatos à prefeitura”.
Embora não tenha mencionado nomes, os meios de comunicação brasileiros assumiram que o padre Júlio se referia a Arthur do Val, membro do Movimento Brasil Livre e candidato à prefeitura de São Paulo (as eleições estão marcadas para o dia 15 de novembro), que tem criticado o trabalho do padre Lancellotti e de várias instituições católicas junto dos sem-abrigo, particularmente numa zona da cidade conhecida como Crackland, ou Cracolândia.
Inúmeros proprietários de lojas, investidores imobiliários e líderes empresariais têm também afirmado que o trabalho social da Igreja na Cracolândia, descrita como um mercado de drogas a céu aberto, incentiva os sem-abrigo, toxicodependentes e traficantes a permanecer.
Desde a divulgação do vídeo em que denuncia a campanha de intimidação, o clima de perseguição aos sem-abrigo aumentou, afirma o padre Júlio. “Neste exato momento, estamos a acompanhar um caso suspeito de envenenamento de três sem-abrigo que vivem no centro histórico”, contou em entrevista ao jornal Crux na passada segunda-feira, 12 de outubro.
Diversas personalidades públicas, organizações e responsáveis católicos, entre os quais o arcebispo de São Paulo, cardeal Odilo Scherer, têm vindo a manifestar o seu apoio a Lancellotti. O telefonema e apelo do Papa, a quem já tinha escrito uma carta sobre o trabalho que tem vindo a desenvolver e pedindo a sua bênção, foi a “crista da onda de apoio fraterno” que recebeu, disse.
“Ele tinha acabado de lançar a encíclica Fratelli Tutti, que trata precisamente da necessidade de partilharmos a nossa vida com os nossos irmãos e irmãs”, sublinhou o padre Júlio. “O seu telefonema teve um grande significado para mim”.
A seguir pode ver-se o vídeo em que Francisco fala sobre o padre Júlio Lancellotti.