Filme de Saed Roustayi

Leila e os seus irmãos ou a importância de matar o pai

| 7 Jan 2023

Os Irmãos de Leila, de Saed Roustayi.

Imagem do filme Os Irmãos de Leila, de Saed Roustayi.

 

O cinema é uma arte maravilhosa porque nos transporta e faz entrar e conhecer, por exemplo, outras culturas. E da maneira mais verdadeira, quando é bom. É o caso do filme iraniano Os Irmãos de Leila, de Saed Roustayi.

As primeiras imagens podem ser enganadoras. Numa montagem em paralelo – havemos de lembrar-nos muito do filme O Padrinho, de Coppola, e não apenas por esta razão – são-nos logo apresentadas as três personagens fundamentais que farão avançar o longo filme de família: o pai, que aparece sentado a fumar, com ar de profeta e de quem não faz nada; Alireza, um dos irmãos de Leila, que deixa a imagem de um cobarde que foge, como lhe diz um dos seus colegas da fábrica; e Leila, de quem vemos a cara numa sessão de fisioterapia.

E digo que as imagens podem ser enganadoras porque, no centro do filme, para lá de ser (mais um) retrato da difícil situação económica e social vivida no Irão, está sobretudo o retrato de uma família, com os seus segredos e mentiras, as suas ambições, as suas tentações, os seus dramas, as suas tradições atávicas. E o insolúvel drama da falta de dinheiro.

E é Leila quem mais quer e mais luta para sair dessa espiral da miséria, ela que é a única a ter um trabalho estável e bem remunerado, que sempre viveu em casa e que não se conforma. Por isso vai tentar tudo para fazer a família sair dessa situação. Quando Alireza, depois de ser despedido (dispensado, como ele faz questão de dizer), chega a casa, ela tenta ganhá-lo para a sua causa, para depois ir envolvendo os outros três irmãos. A saída que ela vê é a compra de uma loja no centro comercial onde trabalha, frequentado por pessoas endinheiradas. Uma loja que, aliás, ainda nem existe. Resultará da transformação das casas de banho (este será um lugar importante, tocado pela ironia, no decorrer do filme). Mas não vai ser uma tarefa fácil. Todos estão demasiado acomodados, muito condicionados e com pouca vontade de lutar.

Mas há um problema ainda maior e mais difícil de ultrapassar, naquela sociedade e naquela família tão patriarcal e machista: o pai e a sua obsessão de vir a ser nomeado patriarca do clã familiar (e voltamos ao Padrinho, de Coppola). Para isso, ele vai ter de ser aquele que dá a prenda maior: têm de ser 40 moedas de ouro. É sobretudo aqui que se joga e que está o interesse do filme: obedecer ao pai e aceitar essa sua ambição, mesmo que ele não se dê conta de que está apenas a ser usado pela ambição dos outros, ou arranjar maneira de ficar com as 40 moedas e com elas comprar o tal lugar da futura loja e abrir um negócio salvador? Vale a pena assistir a esta tensão entre a ambição do pai e a necessidade da família, protagonizada pela decidida, inteligente, inconformada e pragmática Leila. Até Alireza vai deixar de hesitar e assumir a sua missão. Vale a pena assistir à luta de Leila contra os atavismos de uma sociedade tradicional e patriarcal e ao dilema moral que essa luta inevitavelmente lhe traz a si e aos irmãos. Uma guerra da ‘reflexão contra as convicções’, como ela diz num dos muitos belos diálogos do filme.

“Os filhos estão a roubar os pais, ou a impedir que os pais os roubem?”, perguntava Luís Miguel Oliveira, na sua crítica (Ípsilon, Público, 9 de Dezembro de 2022).

A verdade é que a possibilidade de saída de toda aquela situação só poderá acontecer depois da morte do pai. Talvez seja esse o sentido do final do filme, já depois de milhentas peripécias.

“Filme indispensável para quem gosta de cinema e de projectos que nos ajudem a compreender os meandros mais intrincados da natureza humana.” (in MHD, Magazine Hd)

Os Irmãos de Leila, de Saed Roustayi.
Título original: Baradaran-e-Leila
Drama, 165 min., M/12
Irão, 2022

Manuel Mendes é padre católico e pároco de Esmoriz (Ovar). Este texto foi publicado originalmente no número de Janeiro 2023 na revista Mensageiro de Santo António. 

 

Apoie o 7MARGENS e desconte o seu donativo no IRS ou no IRC

Breves

 

Em Lisboa

Servas de N. Sra. de Fátima dinamizam “Conversas JMJ”

O Luiza Andaluz Centro de Conhecimento, ligado á congregação das Servas de Nossa Senhora de Fátima, acolhe na próxima quinta-feira, 30 de março, a primeira de três sessões do ciclo de “Conversas JMJ”. Esta primeira conversa, que decorrerá na Casa de São Mamede, em Lisboa, pelas 21h30, tem como título “Maria – mulheres de hoje” e será dedicada ao papel da mulher na sociedade atual.

Entre o argueiro e a trave

Entre o argueiro e a trave novidade

E o Papa Francisco tem sido muito claro ao dizer-nos que as situações graves não podem ser tratadas de ânimo leve. “Nunca serão suficientes as nossas palavras de arrependimento e consolação para as vítimas de abusos sexuais por parte dos membros da Igreja. (Opinião de Guilherme d’Oliveira Martins).

ONU pede veto da lei contra homossexuais no Uganda, Igreja em silêncio

Prevista pena de morte

ONU pede veto da lei contra homossexuais no Uganda, Igreja em silêncio

Uma nova legislação aprovada pelo Parlamento ugandês esta semana prevê penas de até 20 anos de prisão para quem apoie “atividades homossexuais” e pena de morte caso haja abusos de crianças ou pessoas vulneráveis associados à homossexualidade. O alto-comissário para os Direitos Humanos da ONU, Volker Turk, já pediu ao presidente do país africano que não promulgue esta “nova lei draconiana”, mas os bispos do país, católicos e anglicanos, permanecem em silêncio.

Corpo Nacional de Escutas suspende alegado abusador de menores

Após reunião com Comissão Independente

Corpo Nacional de Escutas suspende alegado abusador de menores

O Corpo Nacional de Escutas (CNE) suspendeu preventivamente um elemento suspeito da prática de abusos sexuais de menores, depois de ter recebido da Comissão Independente (CI) para o Estudo dos Abusos Sexuais contra Crianças na Igreja Católica a informação de sete situações de alegados abusos que não eram do conhecimento da organização. Em comunicado divulgado esta sexta-feira, 24 de março, o CNE adianta que “está atualmente a decorrer o processo interno de averiguação, para decisão em sede de processo disciplinar e outras medidas consideradas pertinentes”.

Agenda

Fale connosco

Autores

 

Pin It on Pinterest

Share This