
Leonor Xavier numa intervenção recente na Capela do Rato, em Lisboa, onde dinamizou vários debates, tempos de oração e outras actividades. Foto © Direitos Reservados.
A escritora e jornalista Leonor Xavier, que integrava o núcleo português do movimento Nós Somos Igreja, morreu na noite deste domingo, 12 de Dezembro, em Lisboa, onde estava hospitalizada na sequência do agravamento dos problemas oncológicos que contou no seu livro Passageiro Clandestino. Tinha 78 anos.
O velório realiza-se a partir das 17h desta segunda-feira, na Capela do Rato, em Lisboa, onde Leonor Xavier dinamizou muitas actividades, nos últimos anos. A eucaristia de exéquias será celebrada terça, 14, também na Capela do Rato, às 10h.
Durante o velório, a Capela do Rato desafia quem quiser a partilhar um poema, uma oração, um pequeno texto da Leonor ou escrito por si, uma canção… Numa mensagem enviada ao 7MARGENS, o núcleo do Nós Somos Igreja afirma “dar graças pela vida da Leonor que tão empenhada esteve sempre no núcleo do NSI Portugal, com a sua enorme fé e criatividade.” Diz o texto: “A ela devemos muito, pois soube pôr os seus múltiplos talentos ao serviço do próximo, em muitas frentes, na cultura e na Igreja, nos dias de alegria e nos de dor. Agora vive na plenitude de Deus do amor, no qual pôs sempre a sua confiança. A sua luz inspiradora vai continuar a iluminar o nosso caminho.”
Nascida em Lisboa, Leonor Xavier formou-se em Filologia Românica pela Universidade de Lisboa e viveu no Brasil entre 1975 e 1987, tendo trabalhado como correspondente do Diário de Notícias no Rio de Janeiro. Preparava agora a edição de um livro de memórias, com o título Adolescência, que será publicado no início do próximo ano, na Temas e Debates, onde editou as últimas obras.

Entre os seus livros destacam-se, além do já referido Passageiro Clandestino (Prémio Frei Bernardo Domingues 2016), também o seu primeiro romance, Ponte Aérea, as biografias de Raul Solnado e Maria Barroso, o livro de crónicas Colorido a Preto e Branco, as memórias de Casas Contadas (Prémio Máxima de Literatura 2010), a narrativa Uma Viagem das Arábias, e os livros de entrevistas Peregrinação, e Portugueses do Brasil & Brasileiros de Portugal. Portugal Tempo de Paixão e Doze Mulheres e Um Almoço de Natal são outros dos seus títulos.
A propósito do livro Peregrinação, publicado em 2017, onde recolheu depoimentos de 35 homens e 35 mulheres de diferentes sectores da vida portuguesa – entre os quais Ana Zanatti, Jaime Nogueira Pinto, Pedro Abrunhosa ou Lídia Jorge –, Leonor Xavier dizia, em entrevista à Renascença, que acordou um dia a pensar que “peregrinação” é uma “palavra-chave da cultura portuguesa”, até “porque um dos nossos grandes heróis é o Fernão Mendes Pinto”.
A par de várias considerações sobre o lugar de Fátima na cultura portuguesa, Leonor acrescentava, sobre a ideia de peregrinação: “Para mim, a peregrinação é uma espécie de caleidoscópio interior. Pode-se falar existencialmente dizendo que é o nosso percurso entre a vida e a morte ou podemos falar literariamente, comentando, (…) a Peregrinação do Fernão Mendes Pinto, Os Lusíadas, o António Alçada Baptista. Também poderia ir por aí. Não sou uma doida caminhante, mas também poderia falar em passear e pensar.”
No seu último artigo no 7MARGENS, onde escrevia com regularidade, publicado a 10 de Outubro, referia-se ao tema dos abusos sexuais do clero, dizendo que se esperava uma palavra dos bispos sobre o assunto. Queria uma Igreja “enxuta”, preferia uma escrita “enxuta” – repetia a expressão a propósito de várias coisas, para dizer o seu gosto pela clareza, pela frontalidade, pelo essencial, também nas relações humanas.
Naquele que será seguramente um dos seus últimos textos, escrito para os postais do Advento da Capela do Rato, tomava o episódio do encontro entre Maria e Isabel para redigir uma pequena oração: “Mulheres de certezas, na esperança de que a revolução do mundo vai chegar. Por dor e amor vai chegar.”
Assim era Leonor Xavier, mulher destas certezas e desta esperança.