O Papa Francisco tem o dom de conseguir a admiração de muitos ateus ou agnósticos, céticos ou mesmo antipatizantes militantes em relação à Igreja Católica. Dentro de portas, divide opiniões, adorado por uns, olhado com desconfiança por outros.
Aquando da sua eleição, há nove anos, o mundo ficou rendido à simpatia, sentido de humor e despojamento deste papa, vindo, como o próprio disse, “do outro lado do mundo”. Até os críticos vorazes da Igreja se renderam a este homem.
Será muito difícil, em todo o caso, discordar do que o Papa diz ou fez, na medida em que a sua conduta é reformista e não revolucionária. O Papa não alterou dogmas, não aboliu ou criou preceitos doutrinários estruturantes. No entanto, vemos a Igreja Católica Apostólica Romana muito fragmentada em diferentes fações. O modo que usou para reunir esta Igreja fragmentada foi, precisamente, procurando recentrá-la no que tem de essencial, revitalizando as raízes do Cristianismo e projetando-o para fora de portas. A mudança drástica que operou foi essa: retroceder à base essencial.
Nessa medida, é curioso que cause tanto incómodo a determinados segmentos da Igreja que se afirmam como os verdadeiros fiéis da pureza da Doutrina cristã. Há aqui uma tremenda contradição. Se acreditamos que o Conclave elege o papa sob a iluminação do Espírito Santo, teremos forçosamente de concluir que o Espírito Santo iluminou os cardeais eleitores na escolha do Papa Francisco.
A perplexidade é tanto maior quando concluímos que, verdadeiramente, o Papa Francisco não inventou qualquer especial doutrina sua. O caminho do Papa tem sido de cimentar o trabalho pastoral feito no tempo do Concílio do Vaticano II. Convocar um Sínodo sobre a sinodalidade é um exemplo concreto e estratégico disso mesmo.
Progressivamente, o Papa vai procurando devolver a palavra aos fiéis leigos. Resta saber se estes estão disponíveis para embarcar com ele.
O caminho que o Papa propõe de ação eclesial e cívica é de uma enorme exigência. Temos de deixar de simplesmente gostar e admirar o Papa para o levar a sério, como voz com autoridade moral que nos deve mobilizar.
A eleição do Papa Francisco há nove anos atrás surgiu numa época muito conturbada da vida da Igreja. Sufocada pelos escândalos da pedofilia, do branqueamento de capitais no Banco do Vaticano e uma desacretização da voz da Igreja na sociedade civil, a eleição do Papa Francisco foi verdadeiramente providencial. O seu estilo pessoal despojado, acompanhado de uma grande interioridade é uma lufada de ar fresco que não pode ser desperdiçada. As portas que foram abertas e permitem o recentramento da Igreja numa essência cristã que, por vezes, parece ofuscada não pode ser desperdiçada. O renascimento da Doutrina Social da Igreja no discurso público constante do Papa tem de dar o impulso necessário para que os católicos assumam a sua presença pública de cara lavada dando o seu precioso e insubstituível contributo cívico.
Contudo, este caminho só pode ser feito se nos assumirmos todos como parte integrante de um caminho comum liderado por este Papa que quer ser um pastor, um pai e, sem dúvida alguma, um companheiro de caminho. Não o deixemos só.