
“E quantos jovens sabem o que significa o ‘beijo de Judas’ ou ‘a paciência de Job’?” (Giotto, O Beijo de Judas, Capela Scrovegni, Pádua, Itália.)
Podemos compreender a linguagem dos símbolos e a linguagem religiosa como uma forma de comunicação que abre o ser humano a uma nova mundividência? Ou será tão estranha e distante que resulta num novo analfabetismo?
Imaginemos o cenário seguinte: um casal percorre diariamente a avenida de uma grande cidade, repleta de anúncios e informação muito diversificada. Esse mesmo casal faz-se acompanhar de uma criança, em idade pré-escolar que no banco de trás observa, muito curiosa, algumas imagens mais apelativas e questiona os pais acerca do que vê.
O tempo passa e eis que a criança aprende a ler. Esta aprendizagem marca, inegavelmente, a vida desta criança. Eis que um novo mundo, até aí oculto, se abre para esta criança e, no mesmo “banco de trás”, vai mostrando aos seus pais o quão importante se mostra a sua compreensão e comunicação com o mundo.
Hoje vemo-nos inundados pelo conceito de literacia, entendido como uma proposta acerca de conhecimentos, aptidões/capacidades ou aprendizagens essenciais para compreendermos, interpretarmos e produzirmos outros tipos de informação e compreensão do mundo e da vida, como algo que nos enriquece, valoriza e potencia a nossa inclusão social e condiciona o exercício da própria cidadania.
Se nos referimos à capacidade para compreender os media falamos de literacia mediática; se sublinhamos a capacidade para compreender ou movimentar-se no mundo digital falamos em literacia digital; à capacidade para interpretar e analisar informação estatística apelidamos de literacia estatística; ao intuito de desenvolver nos jovens a consciência das suas escolhas enquanto consumidores de produtos e serviços, bem como o seu impacto nos domínios social e da sustentabilidade, chamamos de literacia financeira e educação para o consumo. Poderíamos, porventura, elaborar uma lista de múltiplas literacias que, pelo seu caráter funcional, acrescentam valor à formação humana.
O grande desafio que todas essas literacias têm em comum é criar um entendimento acerca da linguagem específica que veiculam.
Mas existe uma literacia cujo papel central é a auto-compreensão do ser humano na sua relação consigo, com os outros e com a dimensão do sagrado ou da transcendência. Uma literacia capaz de alargar o horizonte do humano e despertar a capacidade simbólica.
Se o cenário descrito no início deste artigo ilustra como o acesso à leitura abre as possibilidades de compreensão das mensagens, símbolos e imagens que se oferecem ao longo da passagem por esta “cidade”, assim também a linguagem simbólico-religiosa permite re-leituras (re-legere) e vínculos à própria memória coletiva e ao significado da ação e da experiência humana.
Quantos jovens compreendem hoje o significado de expressões como “lavar as mãos como Pilatos”, “chorar como uma Madalena arrependida”, “ver para crer”, “chorar as cebolas do Egipto”, “ter a força de um Sansão”, “ter uma sabedoria salomónica”, “ser o Benjamim da família” ou “ser um bom samaritano”? E quantos jovens sabem o que significa o “beijo de Judas” ou “a paciência de Job”? E quantos saberão que relação existe entre estas mesmas expressões e o sentido ético-moral da ação humana (que valores morais pretendem transmitir)?
Compreender a linguagem simbólico-religiosa a partir da sua abordagem cultural e pedagógica possibilita uma melhor compreensão da dimensão religiosa, mas acima de tudo alarga os horizontes dos jovens/alunos para uma melhor compreensão da dimensão cívica e de cidadania: a construção de valores para a Feliz Cidade. E como ela se afigura tão necessária!
Dina Pinto é professora de Educação Moral e Religiosa Católica no Agrupamento de Escolas Abade de Baçal (Bragança).