Luta pelo clima: da sobrevivência à vivência

| 22 Jan 2023

Manifestação. Clima. Greve Climática Estudantil.

Greve Climática Estudantil. 29 Novembro 2019. “Na afirmação intransigente dessa verdade, existe muito de sentimento de urgência, paixão, receio do futuro, necessidade de afirmação reivindicativa fora dos círculos tradicionais. Por um lado, ainda bem que assim é, pois, estes tempos exigem que sejamos inovadores, ousados e provocadores na forma de reivindicar.” Foto © Greve Climática Estudantil

 

Temos assistido nos últimos tempos a várias manifestações de jovens exigindo decisões urgentes que conduzam a alterações que permitam a sustentabilidade do planeta – o mesmo será dizer a nossa sobrevivência. Ainda bem que os jovens saem à rua, se manifestam e não têm receio de sofrer as consequências. Esta luta é deles, mas também de todos nós. Tanto mais que este é o legado que nós lhes deixamos, embora também eles sejam o que são porque filhos desse mesmo legado. As coisas são mais complexas do que por vezes fazemos crer. Contudo a sua complexidade nunca pode ser argumento para a inércia que tem marcado a indecisão ao longo das últimas décadas e, sobretudo, dos últimos anos.

Porventura pela primeira vez na história da Humanidade existe um objetivo comum e que é a preservação, em nome da nossa sobrevivência, desta Casa Comum que todos habitamos e partilhamos. Apesar de nem sempre ser fácil encontrar soluções coletivamente acordadas, esse seria pelo menos um motivo suficiente para que todos, sem exceção, nos uníssemos em torno desse objetivo comum.  O que nos impede?  A luta pela sustentabilidade e preservação do planeta tornou-se quase verdade absoluta, espécie de religião que a muitos ampara e norteia quando tentam definir o seu lugar e papel na sociedade. A afirmação dessa verdade não deixa muitas vezes espaço para a diferença (ver editorial do 7MARGENS) na forma como se pretendem encontrar soluções. Na afirmação intransigente dessa verdade, existe muito de sentimento de urgência, paixão, receio do futuro, necessidade de afirmação reivindicativa fora dos círculos tradicionais. Por um lado, ainda bem que assim é, pois, estes tempos exigem que sejamos inovadores, ousados e provocadores na forma de reivindicar.

Pese embora todas as manifestações exigindo transformações urgentes, a verdade é que não existem mediações entre a exigência e a decisão. Mesmo os movimentos existentes continuam ainda, apesar da evolução, numa fase muito reivindicativa quando a procura de soluções exige que se pense o futuro de forma transversal. Por outro lado, os decisores são também confrontados com a urgência das necessidades das populações. E estas são exigências de hoje, inadiáveis, enquanto no que concerne ao clima existe a perceção – mesmo que as evidências a desmintam – de que não é uma premência, pode ser adiado. É que a proximidade do desastre é mais importante do que a sua extensão. Por isso a pandemia nos assustou e as alterações climáticas nem tanto. No que toca aos países desenvolvidos a urgência está diretamente ligada à proximidade, enquanto nos países em desenvolvimento ou pobres a urgência prende-se com a sobrevivência do quotidiano.

No livro Carta à Geração que Vai Mudar Tudo (ed. Guerra e Paz), Raphaël Glucksnann escreve ser necessária uma profunda revolução filosófica e uma mudança civilizacional que nos ajude a sair do antropoceno, que consagra o ser humano como senhor, possuidor e controlador da natureza.

Escreve Raphaël Glucksnann: “A consciência do inevitável não basta. Nem o horizonte trágico da catástrofe. Temos de mostrar que a ecologia toma a seu cargo os medos, as angústias, as aspirações que atravessam as nossas cidades. Aqui e agora. Não apenas sobre questões como a qualidade do ar, a poluição ou a biodiversidade: de maneira global. A transformação ecológica não se fará apenas porque é necessária. Far-se-á se a tornarmos entusiasmante e se ela responder aos pedidos dos nossos concidadãos aqui e agora.

Sabemos que a urgência das soluções não significa assegurar o futuro, mas apenas criar condições mínimas para que ele seja possível. Sabemos também que as soluções a que a urgência nos obriga podem não ser as melhores, como se referiu noutro artigo a propósito da energia.

A reivindicação é importante, muitas vezes imprescindível tal como agora, mas é apesar de tudo uma pequena parte do caminho. O grande passo, enorme diria, é passar da reivindicação à decisão, o mesmo será dizer da sobrevivência à convivência. Já que se se trata de salvar a Humanidade há que encontrar novas formas de convivência que não transformem a luta atual num mero adiamento da inevitabilidade do fim.

A democracia e a liberdade tornaram-se demasiado formais, até inerciamente formais. É urgente reinventar a democracia, assumir as contradições entre o poder e a liberdade da palavra.  Há que, a partir de situações concretas, construir uma nova visão do mundo. Daí a importância do envolvimento político dos jovens nas estruturas de poder. Não podem deixar que, apesar das suas reivindicações, outros continuem a decidir por eles, por nós. Cabe-lhes sobretudo a  eles, em nome dos seus filhos e netos, imaginarem e lançarem as bases de um mundo onde a convivência harmoniosa entre todos os seres seja possível. Os jovens têm de ousar assumir o espaço público sem qualquer espécie de complexo.

 

José Centeio é editor da opinião no 7Margens e membro do Cesis (Centro de Estudos para a Intervenção Social)contacto: jose.centeio@gmail.com

 

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