
As filhas do fogo, de Pedro Costa (2019). Foto: Direitos reservados.
As obras de Pedro Costa, cineasta, Rui Chafes, escultor, e Paulo Nozolino, fotógrafo, e de Simon Hantaï, artista plástico, estão expostas em Paris, respectivamente no Centre Georges Pompidou e na Fundação Louis Vitton.
Um autor, identificado como Anonymous, estabelece com elas um diálogo em dois poemas traduzidos por João Paulo Costa, investigador na área de filosofia e autor de À sombra do invisível (Documenta, 2020).
Que Mundo?
Para Pedro Costa, Rui Chafes e Paulo Nozolino
Câmara escura
de sombras restantes nos memoriais
de corpos inundados de paisagens ancestrais
viático que nos leva à lápide gélida
da sepultura rasgada por uma ténue luz
vibrantes e descoloridas são
as coisas vindas da pele do sensível
simples coisas? que alhures nos vem delas?
ultra-coisas?
rostos fixos, perfilados, que dançam
na antecâmara da morte
à espera de uma mão ensolarada
que os resgate do olvido,
profunda claridade em fundo negro,
o que não vemos aí?
fundo sem fundamento
é o abismo da divindade
enxuta, impensada e imunda
réstia de sombra
que rasga o ser horizontal,
esmaecido e apaziguado,
em ser vertical,
tonificado e desassossegado,
mergulhado na obscuridade
de um labirinto cruciforme
inconsútil? de onde surge
a consistência resistente da matéria,
a sua luminosidade?
da sombra semântica que a envolve
para ver o “mundo em redução”,
a levitação de corpos textuais
até ao lugar onde nasce a penumbra
da vida
diálogo e resistência
contaminação
chiaroscuro
sombra de sombras bioluminescentes
o rasto rumoroso de um silêncio bárbaro?
Anonymous
Dobras do Silêncio Primitivo
Para Simon Hantaï
Abissologia do negrume
resto sombra da claridade fosca que resta
a redução da luz ao grau zero
assombro labiríntico do ser a ser verticalidade
invasão de brancura incerta
em negro subtil
a dobrar a noite infinda de uma vida
alvadia! branca como Blanchot,
Thomas, o obscuro
é a dor sonhada
que vem à madrugada
de rouxinóis adormecidos
nos ramais frouxos de uma liberdade
sitiada no irradiante negrume
da brancura?
que obscuridades dobram
o branco sem inocência?
é um negro branco de luz,
o silêncio primitivo carmim,
somente isso.
Anonymous
Pedro Costa, Rui Chafes, Paulo Nozolino:
Simon Hantaï