
O macacão semelhante ao dos detidos nos campos de internamento de Xinjiang (China), entregue na embaixada chinesa em Lisboa, juntamente com as assinaturas contra as violações de direitos humanos na região. Foto © Amnistia Internacional.
Mais de 323.000 pessoas em todo o mundo assinaram uma petição da Amnistia Internacional (AI) intitulada “Liberdade para todos os detidos de Xinjiang”, acerca da situação que se vive nesta província chinesa, informou a organização de defesa dos direitos. Ao mesmo tempo, uma carta aberta da secretária-geral da organização de defesa dos direitos humanos apela à ONU para que investigue violações de direitos humanos contra uigures, cazaques e outras minorias muçulmanas naquela região do noroeste da China.
A comunidade internacional deve “condenar severamente as graves violações de direitos humanos” que ocorrem na Região Autónoma uigur de Xinjiang, na China, e pôr em marcha um mecanismo de investigação independente, capaz de assegurar a responsabilização dos perseguidores”, pede Agnès Callamard, secretária-geral da AI, na carta aberta dirigida aos Estados-membros da ONU.
A petição foi assinada por 323.832 pessoas de 184 países e territórios diferentes, informa a AI num comunicado enviado às redacções. Nos últimos dias, membros e apoiantes da Amnistia Internacional organizaram manifestações públicas para entregar as petições em diversas embaixadas da República Popular da China. Foi o caso do que sucedeu em Londres, onde vários activistas se reuniram, vestidos com uniformes azuis idênticos aos que as pessoas detidas nos campos são obrigadas a usar.
Em Dacar (Senegal), Helsínquia (Finlândia), Lima (Peru), Madrid (Espanha), Paris (França), Haia (Países Baixos) e Washington DC (Estados Unidos), além de Lisboa, foram as cidades onde ocorreram iniciativas semelhantes ou foram entregues as assinaturas. Na Indonésia, decorreu um seminário digital e a Amnistia encorajou activistas a vestirem-se de uniformes azuis e a partilharem essas fotografias nas redes digitais.
A Amnistia Internacional Portugal contribuiu com 831 assinaturas que foram entregues nesta segunda-feira, 11 de Outubro, na embaixada da China em Lisboa. As assinaturas, diz a AI em comunicado, seguiram juntamente com um macacão azul idêntico aos uniformes utilizados pelos detidos nos campos de internamento.
“De acordo com provas recolhidas pela Amnistia Internacional e corroboradas por outras fontes fiáveis, membros de minorias étnicas predominantemente muçulmanas em Xinjiang têm sido sujeitos a um ataque que reúne todos os elementos de crimes contra a humanidade ao abrigo do direito internacional”, diz a carta aberta dirigida às Nações Unidas.
As provas, continua o texto da Amnistia, “demonstram que o Governo chinês cometeu pelo menos os crimes contra a humanidade de prisão, tortura e perseguição, visando consciente e propositadamente as minorias étnicas em Xinjiang, inclusive através da restrição excessiva dos seus direitos humanos básicos, bem como através de uma campanha etnicamente orientada de detenção em massa e tortura e outros maus-tratos.
Cada assinatura é um apelo directo

Está em causa a libertação de centenas de milhares de homens e mulheres, de minorias muçulmanas, detidos arbitrariamente e sujeitos a internamentos em massa, tortura e perseguição em Xinjiang, acusa a AI. O documento, explica Agnès Callamard, expressa a indignação dos signatários “perante as evidências de crimes contra a humanidade e outras graves violações de direitos humanos, infligidos aos muçulmanos em Xinjiang”.
“Cada assinatura é um apelo directo à China para que termine já esta perseguição sistemática”, diz o texto da AI. “O governo chinês deve libertar, de forma imediata, todas as pessoas detidas arbitrariamente nos campos e nas prisões, desmantelar o sistema de campos de internamento e pôr fim aos ataques sistemáticos contra grupos étnicos predominantemente muçulmanos em Xinjiang.”
A petição faz parte de uma campanha da AI, lançada em Junho último, que exige o fim das violações de direitos humanos na região chinesa. Nessa campanha, cujo lançamento foi referido pelo 7MARGENS, a AI retrata mais de 60 casos de indivíduos, detidos de forma arbitrária em “centros de transformação e educação”, a designação eufemística da China para os campos de internamento, ou condenados a penas de prisão durante anos. Os 60 casos, alerta a Amnistia, são uma gota de água entre as centenas de milhares de homens e mulheres (talvez mais de um milhão), detidos sob o pretexto de combater o “terrorismo”.
A Amnistia apresenta, como tem feito em outras ocasiões, várias histórias concretas: Hayrigul Niyaz foi detida no regresso à China, depois de ter estudado no estrangeiro, e a família não tem informações sobre ela. A irmã, Memeteli, lamenta: “Se a voltar a encontrar, tenho de lhe dizer: ‘Desculpa, minha irmã, não te consegui salvar dos campos’.”
Sadir Ali foi preso em 2018 e condenado a 20 anos de prisão porque estaria a jejuar durante o Ramadão. A filha, Adila, que foi impedida de visitar a sua cidade natal durante 11 anos e perdeu o contacto com os familiares em Xinjiang, afirma: “Nunca serei feliz porque o meu pai está na prisão ou num campo. Porque é que o Governo chinês nos está a fazer isto?”.
A secretária-geral da Amnistia acusa: “Apesar das imensas provas de graves violações de direitos humanos e crimes à luz do direito internacional nos últimos quatro anos, as Nações Unidas e os seus Estados-membros têm falhado perante o seu dever de responsabilizar a China pelas suas ações.” Na semana passada, recorda, mais uma sessão do Conselho de Direitos Humanos da ONU terminou sem que tenha havido qualquer iniciativa para abordar a situação dos abusos em Xinjiang.