Manuela quê? – Breve carta aberta aos bispos portugueses

| 14 Out 19

Maria. Manel. Silva. Nomes portugueses simples e comuns, talvez por isso esquecíveis. Neste caso, trata-se de Maria Manuela Silva, aparentemente também esquecida por alguns que a deveriam ter como luz.

A sua morte é uma oportunidade de revisitar a sua vida, tão longa e rica na busca pelo fim das desigualdades. Cada um de nós – portugueses simples e comuns – possivelmente só sabe um conjunto de fragmentos desse percurso que marcou tanta gente durante várias gerações. Amigos mais próximos e mais velhos saberão muito mais.

Do fragmento que me coube, sei que a Manuela Silva foi uma mulher e uma cristã notabilíssima, de uma incomum fidelidade ao Evangelho, aliando uma espiritualidade à acção pessoal e profissional. Ao seu nome associamos automaticamente a luta pela erradicação da pobreza, a economia social e a defesa dos fracos. Não sei se é teologicamente certo dizê-lo, mas julgo que Nosso Senhor estará feliz e orgulhoso desta sua filha.

Aparentemente, o mesmo não se passa com a Igreja portuguesa. Na missa de corpo presente, tivemos o PR e um ex-presidente, ex-ministros, personalidades diversas, colegas, amigos e conhecidos. Mas nem um bispo. Onde deveriam estar muitos não estava nenhum. O patriarca de Lisboa, impedido, fez-se representar pelo “oficial de dia” à diocese, enquanto um padre com um bizarro desempenho de funcionário do culto nem sabia o nome da Manuela Silva. Salvou-nos o nosso querido padre Janela e o leigo Paulo Fontes, este último falando de impulso com emoção e clarividência – e abrindo a porta a que outros pudessem expressar -, dizendo o que faltava: que gostávamos da Manuela Silva, que estamos comovidamente agradecidos por tê-la conhecido, e que o seu imenso testemunho nos interpela a sermos melhores e que o seu trabalho perdura.

Quando soube da morte da Manuela Silva fiquei envergonhado. Talvez nunca lhe tenha agradecido o que fez por mim no princípio da minha carreira e nem sabia que a sua doença a tinha voltado a ameaçar. Na minha página do Facebook (típico dos nosso dias) tentei mitigar a culpa. Uma das coisas que escrevi e que com ela aprendi – disse-o ela numa conferência em 2006 – foi que a procura da santidade não é para todos e já seria muitíssimo tentarmos ser todos os dias fiéis ao evangelho. Pois bem, tida essa lição, vê-se agora – para mim com clareza – que a Manuela Silva não era exactamente fiel ao Evangelho, era bem mais que isso!

É extraordinário que, na despedida da Manuela Silva, perante tal figura que reunia o espírito metódico da ciência com a fé profunda e inabalável em Deus, uma carreira profissional de mérito e um activismo social com uma espiritualidade tão vivida, a conferência episcopal se tenha feito representar por um padre e não por bispos, e que, na diocese onde vivia, nem um dos quatro bispos tenha tido o discernimento de estar presente. Será que, como o vigário, a desconheceriam?

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