Manuela Silva, mulher de fé comunitária

| 24 Jun 2021

Manuela Silva, Fundação Betânia

“Para um cristão como era a Manuela, a saudade, sem deixar de ser dura, não pode ser um espaço vazio do Espírito Santo”. Foto: Manuela Silva na Fundação Betânia, por ela fundada © Maria do Céu Tostão

 

Manuela Silva faria 89 anos neste sábado, 26 de junho.

Há um ano escrevi sobre o seu aniversário:
“Manuela Silva viveu sempre, segundo a máxima evangélica “De graça recebestes, de graça deveis dar!” (Mt 10,8)”.

Gostaria este ano de fazer memória de mais um aniversário da Manuela.

Na Festa de Pentecostes, recentemente celebrada, os cristãos recordam a vinda do Espírito Santo sobre os Apóstolos. Em 24 de maio, assinalou-se entretanto o sexto aniversário da carta encíclica Laudato Si’ entregue pelo Papa Francisco “a todos os homens de boa vontade” precisamente na celebração da festividade de Pentecostes em 2015.

Na data do seu aniversário natalício, deve dizer-se que a memória da Manuela, da sua vida em plenitude, da saudade e do espaço que nos deixou a sua ausência, tem tudo a ver com esses dois momentos: o de Pentecostes, por um lado, e a encíclica Laudato Si’, por outro.

Porém, para um cristão como era a Manuela, a saudade, sem deixar de ser dura, não pode ser um espaço vazio do Espírito Santo. Muito pelo contrário: o espaço tem de estar cheio do espírito, da memória e da vida fecunda daquela que nos deixou. Só assim faz sentido a nossa Fé. E a Manuela era acima de tudo uma Mulher de Fé, uma mulher sobre a qual o Espírito “soprou” em abundância.

De Fé sólida e coletiva, de Fé comunitária.

Fortemente preocupada com as questões sociais, Manuela Silva foi desde sempre, na sua vida profissional, uma afirmação indefetível da economia ao serviço da humanidade. Para ela, “crescimento económico” jamais se confundiu com “desenvolvimento”. À sua vida, profissional e cívica, se aplicavam por inteiro as palavras de Paul Ricoeur em entrevista ao Diário de Notícias em julho de 1987: “A democracia ocidental já não funciona porque a conquista da regra da maioria contra o que fora outrora a minoria, isto é, os aristocratas, volta-se agora contra uma minoria que é a dos pobres. Há uma classe média suficientemente numerosa e suficientemente satisfeita para que os pobres sejam sempre minoritários. Consequentemente, a democracia já não funciona como libertadora”. Manuela Silva sabia-o bem e dedicou toda a sua vida a este problema.

Partindo do curso comercial na Escola Ferreira Borges, licenciou-se em Economia no então ISCEF em 1954, com a classificação final de 17,3/20 valores. Desenvolveu trabalho de investigação em diversos domínios dos quais se destacam o desenvolvimento socioeconómico, a repartição do rendimento, a pobreza e exclusão social e diversas outras temáticas de política social.

Deixou publicados múltiplos trabalhos sobre a temática da pobreza em Portugal, na qual foi pioneira; destaco, um tanto ao acaso, dando bem a dimensão da sua preocupação: A Pobreza em Portugal (1985) Pobreza Urbana em Portugal (1987), Agentes económicos em situação de exclusão: os pobres (1986), Crescimento económico e pobreza em Portugal (1950-74), A erradicação da pobreza – um problema crucial no planeamento, Rendimento e riqueza desiguais – ensaio de análise espacial, Integração e exclusão social: Portugal e as duas europas da Europa (1998), Economia, Sociedade e Ética (1993).

Pobreza, sem-abrigo, Lisboa, rua,

“Manuela Silva percorreu o caminho da sua vida sempre inspirada na prática do Jesus que tanto amava, tendo como pano de fundo a dignidade da pessoa humana e a atenção devida ao mais fraco e mais pobre.” Foto: Pessoa sem-abrigo em Lisboa © Miguel Veiga

 

Procurando ser fiel às exigências do Evangelho e à Doutrina Social da Igreja, aprofundada e aplicada ao nosso tempo, Manuela Silva percorreu o caminho da sua vida sempre inspirada na prática do Jesus que tanto amava, tendo como pano de fundo a dignidade da pessoa humana e a atenção devida ao mais fraco e mais pobre.

Sempre atenta ao magistério da Igreja, com o qual se identificava em pleno, as palavras de S. João Paulo II na encíclica Centesimus Annus, comemorativa do centenário da Rerum Novarum, de Leão XIII, eram para a Manuela um traço identificador do seu viver: “O Amor da Igreja pelos pobres que é decisivo e pertence à sua constante tradição, impele-a a dirigir-se ao mundo no qual apesar do progresso técnico económico, a pobreza ameaça atingir formas gigantescas.”

Privei de muito perto com Manuela Silva nos últimos anos da sua vida terrena. Sempre me transmitiu a mensagem de não serem justificáveis, para um cristão, nem o desespero, nem o pessimismo, nem a passividade, pois tal como se pode pecar por egoísmo, por avidez de ganho excessivo e de poder, também se podem cometer faltas em relação às necessidades urgentes do pobre, por indecisão e fundamentalmente por cobardia. O que está em jogo é a dignidade da pessoa humana que nos foi confiada pelo Criador. Manuela Silva viveu esta máxima em pleno e em permanência.

Ao longo dos seus quase 88 anos de vida terrena, Manuela Silva dedicou especial atenção, pessoal e profissionalmente, a duas questões: a pobreza em Portugal e, nos últimos anos, os problemas ambientais plasmados na iniciativa “economia de Francisco”.

Viveu de forma intensa, como sempre fazia em tudo o que prendia a sua atenção, a encíclica Laudato Si’ e todo o magistério do Papa Francisco sobre esta problemática.

Para a Manuela, “Cuidar do trabalho é promover a dignidade da pessoa. Na verdade, o trabalho não nasce do nada, mas do engenho e criatividade do homem: é uma imitação de Deus, o criador”, citando Francisco na sua última intervenção em 5 de junho ao receber, em Roma, os jovens do Projeto “Policoro”. “Trabalhar num modelo de economia que seja alternativa à economia de consumo, que produz desperdícios. Compartilhar, fraternidade, gratuidade e sustentabilidade são os pilares para basear uma economia diferente. É um sonho que requer audácia, na verdade são os ousados que mudam o mundo e o tornam melhor. Não é voluntarismo: é fé, porque a verdadeira novidade sempre vem das mãos de Deus” conclui o Papa. Foi este o modelo adotado pela Manuela, com audácia e ousadia, ao longo da sua vida.

Ainda neste encontro com os jovens, o Papa Francisco repetiu: “Pedimos que nos mostrem que é possível habitar o mundo sem o pisar, isso é importante e seria uma grande conquista para todos! Viver na terra não significa antes de tudo possuí-la, não, mas saber viver as relações ao máximo: relações com Deus, relações com irmãos e irmãs, relações com a criação e com nós mesmos (Laudato Si’, 210)”.

Rezemos com a Manuela e em sua memória, nesta data do seu 89º aniversário, uma das orações com as quais o Papa Francisco conclui a encíclica Fratelli Tutti e que sintetiza o espírito com que ela rezava:

 

Oração ao Criador

Senhor e Pai da humanidade,
que criastes todos os seres humanos com a mesma dignidade,
infundi nos nossos corações um espírito fraterno.
Inspirai-nos o sonho de um novo encontro, de diálogo, de justiça e de paz.
Estimulai-nos a criar sociedades mais sadias e um mundo mais digno,
sem fome, sem pobreza, sem violência, sem guerras.
Que o nosso coração se abra
a todos os povos e nações da terra,
para reconhecer o bem e a beleza
que semeastes em cada um deles,
para estabelecer laços de unidade, de projetos comuns,
de esperanças compartilhadas. Amen.

 

Fernando Gomes da Silva é engenheiro agrónomo.

 

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