Manuela Silva nasceu há 88 anos: solidariedade ativa e empenhada

Manuela Silva em Julho de 2012, quando completou 80 anos. Foto © Maria do Céu Tostão
Manuela Silva faria 88 anos neste 26 de Junho.
No trigésimo dia da sua partida para a casa do Pai, em 8 de novembro de 2019, rezámos assim:
“Pai, a memória da tua filha Manuela que atravessou a morte
e vive hoje contigo,
impregna a nossa vida toda.
Quando o sofrimento ou a saudade nos invadem,
a sua recordação como que transforma e tolda
a luz dos nossos olhos e o sol do nosso rosto.
Renasce então em nós o gosto de permanecer contigo.
Mergulhe-nos o Espírito
no mistério do perdão e do encontro
na meditação da vida, não da morte,
na travessia das dores que ressuscitem
na claridade que anuncie a Páscoa”.
Fazemos agora, assinalando o seu aniversário natalício, memória da Manuela, da sua vida cheia, da saudade e do espaço que nos deixou a sua ausência. Para um cristão porém, como também era a Manuela, a saudade, sem deixar de ser dura, não pode ser um espaço vazio. Muito pelo contrário, o espaço tem de estar cheio da memória e da vida fecunda daquela que nos deixou. Só assim faz sentido a nossa Fé. E a Manuela era acima de tudo uma Mulher de Fé.
De Fé sólida e coletiva, de Fé comunitária.
À vida da Manuela se aplicam em plenitude as recentes palavras de D. José Tolentino, no Mosteiro dos Jerónimos:
“Uma comunidade desvitaliza-se quando perde a dimensão humana, quando deixa de colocar a pessoa humana no centro, quando não se empenha em tornar concreta a justiça social, quando desiste de corrigir as drásticas assimetrias que nos desirmanam, quando, com os olhos postos naqueles que se podem posicionar como primeiros, se esquece daqueles que são os últimos. Não podemos esquecer a multidão dos nossos concidadãos para quem a covid-19 ficará como sinónimo de desemprego, de diminuição de condições de vida, de empobrecimento radical e mesmo de fome. Esta tem de ser uma hora de solidariedade.”
Manuela Silva foi, ao longo da sua peregrinação na terra, alguém que sempre cultivou a solidariedade com o próximo. Uma solidariedade ativa e empenhada que se não esgotava na palavra e no discurso, mas se alimentava da ação vivida e concreta.
Pobreza e ambiente, causas de uma vida
Ao longo dos seus quase 88 anos de vida, Manuela Silva dedicou especial atenção, pessoal e profissionalmente, a duas questões: a pobreza em Portugal e, mais recentemente, aos problemas ambientais.
Em conjunto com Alfredo Bruto da Costa, Manuela Silva dedicou muito da sua atividade de economista ao estudo da pobreza, em Portugal e no mundo, publicando diversos trabalhos sobre este tema. Relembro aqui, um texto de sua autoria, referindo a economia mundial, publicado há 42 anos na revista Reflexão Cristã (do Centro de Reflexão Cristã), de Janeiro-Abril de 1978 (pág. 26):
“Como os recursos são forçosamente limitados, neste movimento ascensional de produção de necessidades, vão ficando esquecidos os grupos ou povos que, num mesmo país ou no conjunto das nações, não alcançam níveis de poder aquisitivo correspondentes às exigências dos novos padrões. Por isso, a pobreza relativa (em alguns casos, a pobreza absoluta) tem aumentado. Esta a conclusão a que se chega com base na informação estatística disponível.
Mais: o próprio modelo de crescimento subjacente à economia e sociedade contemporâneas contém em si próprio o gérmen da pobreza de alguns, sejam estratos sociais sejam povos inteiros.”
Há 42 anos já assim se exprimia Manuela Silva.
Nestes tempos estranhos, tolhidos que fomos pela pandemia, falta-nos a voz serena e forte da Manuela, o seu comentário sempre atento às circunstâncias, o qual já teria, certamente, sido pronunciado.
Atrevo-me a tomar as palavras do Papa Francisco, personalidade que lhe era tão querida, para, na ausência da sua voz, invocar a sua memória:
“os excluídos continuam a esperar. Para se poder apoiar um estilo de vida que exclui os outros ou mesmo entusiasmar-se com este ideal egoísta, desenvolveu-se uma globalização da indiferença. Quase sem nos dar conta, tornamo-nos incapazes de nos compadecer ao ouvir os clamores alheios, já não choramos à vista do drama dos outros, nem nos interessamos por cuidar deles, como se tudo fosse uma responsabilidade de outrem, que não nos incumbe” (Exortação apostólica Evangelii gaudium, 54)
Um novo pacto
Sobre os problemas ambientais, aos quais Manuela Silva dedicou os últimos anos da sua vida, convoco uma vez mais D. José Tolentino Mendonça na sua mais recente intervenção pública, no passado dia 10 de junho, ao afirmar:
“A pandemia veio, por fim, expor a urgência de um novo pacto ambiental. Hoje é impossível não ver a dimensão do problema ecológico e climático, que têm uma clara raiz sistémica. Não podemos continuar a chamar progresso àquilo que para as frágeis condições do planeta ou para a existência dos outros seres vivos tem sido uma evidente regressão. Num dos textos centrais deste século XXI, a encíclica Laudato Si’, o Papa Francisco exorta a uma «ecologia integral», onde o presente e o futuro da nossa humanidade se pense a par do presente e do futuro da grande casa comum. Está tudo conectado. Precisamos de construir uma ecologia do mundo, onde em vez de senhores despóticos apareçamos como cuidadores sensatos, praticando uma ética da criação, que tenha expressão jurídica efetiva nos tratados transnacionais, mas também nos estilos de vida, nas escolhas e nas expressões mais domésticas do nosso quotidiano.”
A publicação oficial da encíclica Laudato Si’ em 18 de junho de 2015, constituiu, verdadeiramente, há cinco anos um presente de aniversário para Manuela Silva de tal modo forte era já a sua “consciência ecológica”. O lançamento, no qual empenhou vivamente o seu entusiasmo, do movimento “Cuidar da Casa Comum”, representou para a Manuela o último dos seus grandes projetos em sociedade. Era urgente implementar um novo pacto ambiental.
Deixo, por fim, nas próprias palavras de Manuela Silva (entrevista à revista “Faces de Eva” em 2004), um dos mais vivos testemunhos que dela recebi em convivência amiga ao longo de muitos anos:
“Eu acredito que cada pessoa é única, irrepetível e singular, mas essa singularidade é sempre uma singularidade situada, no tempo, no espaço, no feixe de relações, situada numa cultura também. É isso que eu procuro: através da Fé, iluminar essa vida pessoal que é sempre uma vida de busca, busca de ser, de coerência, de verdade e de maior solidariedade e comunhão com os outros.”
Manuela Silva viveu sempre, segundo a máxima evangélica “De graça recebestes, de graça deveis dar!” (Mt 10,8).
Fernando Gomes da Silva é engenheiro agrónomo
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