O Centro de Reflexão Cristã (CRC), de Lisboa, celebra este ano o seu 45º aniversário. A assinalá-lo, e da forma mais significativa, o nº 53-54 (2019-2020) da revista Reflexão Cristã é inteiramente uma evocação da memória e do legado da saudosa Manuela Silva, uma das fundadoras e entusiastas dinamizadoras do CRC ao longo da sua longa presença na sociedade portuguesa.
Este pretende ser, e é, um volume especial e o reflexo claro da importância do testemunho de vida deixado por Manuela Silva. Isso mesmo se pode ler, desde logo, na Nota de Abertura, da responsabilidade de José Leitão, Inês Espada Vieira e João Miguel Almeida, membros da atual direção do CRC, que referem o modo como a morte de Manuela Silva “desocultou a riqueza da sua vida, do seu percurso espiritual, e permitiu perceber a sua força inspiradora.” (p. 7)
Este volume foi recentemente apresentado, no final de uma celebração eucarística de ação de graças, que teve lugar no Convento de São Domingos. Aí se congregaram, presencialmente e em linha, muitos sócios e admiradores do CRC, alguns ainda desde a sua fundação e outros mais jovens, de uma geração que se propõe dar continuidade a um espaço de questionamento e de pensamento enformado pelos valores do Evangelho; por conseguinte, sempre atual na atenção aos desafios que se colocam aos cristãos e ao mundo.
Os títulos que identificam os catorze testemunhos e dois depoimentos sobre Manuela Silva destacam, desde logo, as suas qualidades, que se desdobram consistentemente no interior de cada texto, em relatos de episódios de vida, encontros e histórias de empenhamento pelo social e pela justiça, numa aliança profunda com o conhecimento exigente sobre as dinâmicas sociais e económicas. São qualidades constantes da memória que deixou e a prova de uma coerência de vida, a apontar para a excelência do dom de si. Salientam, pois, a sua dedicação, entrega, intensidade, fidelidade, persistência, resiliência, rigor, inteligência e fé.
Falam-nos de Manuela Silva vários homens e várias mulheres que com ela se cruzaram nos vários contextos em que assumiu responsabilidades e partilhou compromissos, sempre de forma simultaneamente serena e radical. São sócios fundadores, como ela, do CRC, e outros, de várias gerações; são figuras que se cruzaram com a Manuela Silva na JUC (Juventude Universitária Católica), na Comissão Justiça e Paz, em movimentos como o Graal e na por si igualmente fundada Rede Cuidar da Casa Comum; são pares do meio académico, onde deixou uma marca diferenciadora, e da Administração Pública, onde desempenhou alguns cargos com a visão que a animava. D. Manuel Clemente, patriarca de Lisboa, corrobora o seu papel determinante na vida da Igreja, como mulher de estudo e de oração: “Coerente no modo de ver e de apreciar a sociedade e a economia, a partir dos mais pobres ou empobrecidos e da dignidade a respeitar-lhes” (p. 15).
No presente número da Reflexão Cristã temos igualmente uma recensão sobre um dos livros que reúnem textos escritos por Manuela Silva ao longo dos anos, Resiliência, criatividade e beleza, e a republicação dos estatutos originários do CRC, assim como de um artigo de Manuela Silva sobre o Livro de Job. Neste texto, de 1989, ela retoma a sabedoria de Job na busca pela compreensão do sofrimento dos pobres e da palavra para dizer a sua esperança. Afirma, a dada altura: “Só um anúncio de tipo profético, ou seja, de palavra acompanhada de gestos de coerência que lhe confiram credibilidade, poderá chegar ao coração de uma humanidade atordoada com os ruídos de fundo do prazer, do ter e do poder” (p. 99).
O gosto de ter conhecido e convivido com Manuela Silva é expresso por todos os autores e autoras dos textos, como forma de ação de graças pela sua vida e reconhecimento do seu dom profético, da sua “palavra acompanhada de gestos de coerência”. Que não se esqueça nunca a Manuela Silva e que o seu testemunho de mulher cristã permaneça como inspiração.
Helena Topa Valentim é professora universitária e membro do Graal, movimento internacional de mulheres, de inspiração cristã