
Marcelo Rebelo de Sousa volta a devolver a eutanásia à Assembleia da República com novo pedido de alteração. Foto © Presidência da República
O Presidente da República devolveu à Assembleia da República o decreto nº 199/XIV, que regula as condições em que a morte medicamente assistida não é punível, aprovado pelo Parlamento no passado dia 5 mas recebido em Belém apenas na última sexta-feira, 26. Marcelo Rebelo de Sousa faz “duas solicitações” ao Parlamento, “ambas sobre questões surgidas só nesta segunda versão da lei”.
Segundo o texto publicado na página da Presidência na internet, Marcelo Rebelo de Sousa questiona: “O decreto mantém, numa norma, a exigência de ‘doença fatal’ para a permissão de antecipação da morte, que vinha da primeira versão do diploma. Mas, alarga-a, numa outra norma, a ‘doença incurável’ mesmo se não fatal, e, noutra ainda, a ‘doença grave’”. Por isso, considera que a AR deve clarificar “se é exigível ‘doença fatal’, se só ‘incurável’, se apenas ‘grave’”.
“A deixar de ser exigível a ‘doença fatal’, o Presidente da República pede que a Assembleia da República repondere a alteração verificada, em cerca de nove meses, entre a primeira versão do diploma e a versão actual, correspondendo a uma mudança considerável de ponderação dos valores da vida e da livre autodeterminação, no contexto da sociedade portuguesa”, pede ainda o Presidente.
Na carta com que justifica a devolução do decreto ao Parlamento, o Presidente fala de “inesperadas perplexidades” surgidas com o novo decreto aprovado no início deste mês, referindo as normas que, na sua perspectiva, se contradizem. “Uma coisa é uma doença grave, outra uma doença incurável, outra ainda uma doença fatal”, escreve Marcelo, na carta endereça ao presidente da AR, Eduardo Ferro Rodrigues.
Por outro lado, o Presidente diz que decidiu não pedir a fiscalização prévia da constitucionalidade pelo Tribunal Constitucional “por haver prévias aparentes incongruências de texto a esclarecer, e, por outro lado, por desse esclarecimento decorrer, largamente, o tipo de juízo jurídico-constitucional formulável”.
Em defesa da decisão, Marcelo advoga ainda que resolveu agir deste modo três dias depois de ter recebido o Decreto da Assembleia da República, e mal chegado de visita oficial ao estrangeiro, assim prescindido de prazos constitucionais mais longos, para ponderar quer o envio ao Tribunal Constitucional, quer a devolução ao Parlamento, por uma questão de respeito institucional por esse central órgão de soberania”.
Em causa, está o facto de que esse prolongamento do prazo seria constitucional, mas um “sinal de desrespeito” se decidisse “já depois de a Assembleia da República se encontrar dissolvida” – o que deverá acontecer dentro de poucos dias.
O Presidente pede, enfim, que a Assembleia da República “clarifique se é ou não exigível ‘doença fatal’ como requisito de recurso a morte medicamente assistida e se, não o sendo, a exigência de ‘doença grave’ e de ‘doença incurável’ é alternativa ou cumulativa”. Por outro lado, considera que os deputados devem também ponderar, “no caso de não exigência de ‘doença fatal’, se existem razões substanciais decisivas, relativamente à sociedade portuguesa, para alterar a posição assumida” na primeira proposta, votada em Fevereiro. Está em causa, diz, “o entendimento da Assembleia da República – ao ponderar o direito à vida, de um lado, e a liberdade à autodeterminação e realização pessoal, do outro – quanto ao sentimento dominante na sociedade portuguesa”.