Medo e receio de epidemias entre a população, depois das inundações em Luanda

| 20 Abr 2021

“Só quero que nos olhem, queremos sítio para viver porque isso é coisa grave, já dormimos na água e hoje vamos dormir na água”, dizia uma habitante de Luanda. Há oito mil desalojados e 14 mortos, segundo os números oficiais, mas entre a população teme-se que possam ser mais. 

Luanda, cheias

Cheias em Luanda, captadas por habitantes. Foto: Direitos reservados.

“As pessoas estão com muito medo: as casas podem desabar porque a água está a levar a terra que está por baixo”. O comentário vem da irmã Cecília Prudêncio, 42 anos, religiosa peruana que trabalha em Luanda. Nesta segunda-feira, 19, a capital angolana foi atingida por chuva intensa, que provocou inundações por todo a cidade. O balanço provisório, de acordo com as autoridades, é de 14 mortos e o receio, agora, são as epidemias de doenças.

Depois de seis horas e meia consecutivas a chover, desde cerca das seis da manhã de segunda-feira, a meteorologia acalmou durante o dia de terça. Mas agora avolumam-se problemas. Há muitas famílias que, na noite de terça, se preparavam para dormir ao relento pela segunda noite consecutiva. As autoridades falam em oito mil desalojados e 1600 residências inundadas, de acordo com a agência oficial de Angola, citada no jornal O Guardião.

A mesma fonte, mas citando a agência Lusa, contava o testemunho de várias dessas pessoas: “Ontem [segunda-feira] dormimos na rua, só quero que nos olhem, queremos sítio para viver porque isso é coisa grave, já dormimos na água e hoje vamos dormir na água, por favor nos olhem, está muito mal”, dizia Joana Damião, no bairro da Encib.

Nesta zona da cidade, uma das mais afectadas segundo a mesma notícia, havia a lamentar pelo menos a morte de três crianças. Na contabilidade da governadora de Luanda, Joana Lina, citada pelo oficioso Jornal de Angola, houve cinco mortes no município de Luanda, três no de Cazenga, duas em Cacuaco e igual número em Viana e no Kilamba Kiaxi.

Depois das mortes e do alojamento que não chega, a população tem outros receios, conta ao 7MARGENS a religiosa das Irmãs Apostólicas do Coração de Jesus: “Podem começar a aparecer doenças como a malária, cólera e outras, porque a água levou toneladas de lixo que estava amontoado por toda a cidade, é uma água contaminada…”

“Havia muito lixo acumulado por toda a cidade”, descreve a religiosa. “Uma das vias por onde costumo circular estava já quase interditada pelos montes de lixo, de tal modo que só restava uma faixa para os carros. Todo esse lixo se espalhou e foi levado pela água. Agora, há uma quantidade enorme de moscas e o receio das pessoas é que tudo isso traga epidemias de doenças.”

 

O lixo, a autarquia que não existe e os 7 milhões no espaço de 350 mil

Rua em Luanda, com lixo, acumulado depois das chuvas e inundações de 19 Abril 2021. Foto © Cecília Prudêncio, cedida pela autora

 

Na semana passada, e de acordo com o Jornal de Angola, a UNITA, o maior partido da oposição, fez uma conferência de imprensa na qual defendia que a crise do lixo acumulado em Luanda era “mais uma prova” da necessidade de instituir no país as autarquias locais – que não existem.

O artista e activista Luaty Beirão disse, entretanto, num vídeo que publicou na sua conta no Twitter, que “Luanda não tem solução: foi concebida para 350 mil habitantes, e nela vivem sete a oito milhões que se acotovelam pelo espaço”.

Segunda-feira, quando a precipitação começou, muita gente decidiu ficar nas suas casas, porque já sabe o que pode acontecer quando chove, conta a irmã Cecília. Esse facto “ajudou muito a salvar vidas”, diz. E foi no meio da água que muitas pessoas tiveram de caminhar para poder chegar aos empregos ou regressar, à tarde, a suas casas – ou ao que restava delas…

Muitos outros preferiram esperar por autocarros, o meio de transporte mais seguro e mais barato para uma circunstância assim. “Vi muita gente nas paragens dos autocarros ou a andar a pé, com água pela cintura”, conta ainda a irmã Cecília.

“Desde que saio de casa, no bairro de Cazenga, até ao meu trabalho [a sede da Mosaiko, organização de promoção da cultura dos direitos humanos no país], são normalmente 20 minutos de carro.” Na segunda-feira, o trajecto demorou hora e meia para cada lado, conta Cecília Prudêncio. “Quando saí, já havia muita água, mas dava para andar. As ruas já eram um rio e a água dava pelo cimo dos pneus do jeep e pela cintura de muitas pessoas que iam na rua.”

Ao regressar ao bairro, a uns 20 minutos do centro de Luanda, o cenário era idêntico: “Tudo cheio de água, as pessoas a tirar as mobílias e os utensílios de cozinha…” Na 5ª Avenida, onde há um mercado, registava-se a mesma cena.

A agravar a situação, nem bombeiros nem polícia a acorrer às emergências, pelo menos nos trajectos que a irmã Cecília fez. “No bairro, havia muita desorganização e estava tudo cheio de água, mas as pessoas ajudavam-se umas às outras. De resto, ninguém…”

Há pessoas que dizem que devem ser muito mais mortos que os 14 registados pelas entidades oficiais, conta Cecília Prudêncio. A relativização do acontecimento pelas entidades oficiais, aliás, parece evidente: na edição impressa de terça-feira, do Jornal de Angola, a primeira página não fazia uma única menção às inundações e aos mortos. Na página digital, a notícia aparecia apenas dentro da secção Sociedade, sem estar à vista na página principal.

Já à noite, a página digital do JA dava destaque às mensagens de condolências e solidariedade do Presidente da República, João Lourenço, e da comissão política do MPLA, o partido no poder, dirigidas às famílias das vítimas.

(Dia 21/4, às 14h45, foi acrescentada a foto do lixo)

 

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