
A prática de abandonar os requerentes de asilo no mar tornou-se “ocorrência rotineira em todo o Egeu, resultando muitas vezes em ferimentos e afogamentos”, diz o relatório. Foto: Direitos reservados.
Uma base de registos de embarcações frágeis encontradas à deriva pelas patrulhas costeiras do governo da Turquia, bem como dados resultantes do cruzamento de outras fontes, indicam que, entre 28 de fevereiro e 22 de junho de 2022, mais de 27 mil migrantes foram abandonados à sua sorte no mar Egeu e encaminhados para águas turcas, quando tentavam entrar no espaço europeu.
A Frontex, agência da União Europeia que “promove, coordena e desenvolve a gestão das fronteiras europeias em conformidade com a Carta dos Direitos Fundamentais da UE”, aparece envolvida em mais de uma centena dos para cima de mil casos identificados, chamando a algumas destas operações ilegais “prevenção de entrada”. Mas os documentos encontrados mostram que teve conhecimento de muitos mais casos.
A revelação destas preocupantes informações foi feita pelo DiEM25, “um movimento progressista pan-europeu que visa democratizar a UE antes que ela se desintegre”, sendo possível verificar as bases de dados em que se apoia a organização para a denúncia. O 7MARGENS consultou também muita dessa informação.
A investigação cruza informações de diversas organizações não governamentais que acompanham a situação dos migrantes e dos pedidos de asilo, além de registos das autoridades, em alguns casos obtidos invocando o direito de acesso à informação. A base assim obtida poderá, doravante, ser atualizada à medida que novas situações se forem registando.
Na maior parte dos casos, os migrantes, oriundos de África ou do Médio Oriente muitos dos quais em busca de asilo, atravessam clandestinamente o mar Egeu a partir da Turquia, boa parte deles rumando à ilha de Lesbos. Segundo relatos recolhidos pelas ONG, os migrantes dizem “ter sido intercetados nas águas territoriais gregas, ou presos depois de chegarem às costas gregas, espancados, despojados dos seus bens e, em seguida, carregados à força em botes salva-vidas sem motor e deixados à deriva de volta à costa turca”, ao sabor das correntes e dos ventos.
Esta prática de abandonar os requerentes de asilo no mar também designada drift-backs (algo como “regressar à deriva”) tornou-se, no dizer dos responsáveis da plataforma, “ocorrência rotineira em todo o Egeu, resultando muitas vezes em ferimentos e afogamentos. Hoje, a escala e a gravidade da prática continuam a aumentar, com ‘regressos’ relatados da costa do continente grego e até o sul de Creta”.
Muitos dos casos surgem também relatados pelo comando da Guarda Costeira da Turquia de uma forma burocrática e sempre com um registo idêntico: “às tantas horas do dia e mês tal, foi relatada a deteção de um grupo de imigrantes irregulares num barco insuflável (ou num bote salva-vidas) vindos da costa tal. Foram repelidos para as águas territoriais turcas por agentes gregos. Foram salvos X migrantes irregulares no barco tal [das autoridades]”.
Comentando estas situações e o caráter normalizado e continuado de práticas que o direito internacional condena, a DiEM25 observa: “demonstrando a escala e a crueldade desse crime duradouro, o nosso estudo ergue um muro de evidências contra as negações cada vez mais vazias do governo grego”, afirmou Stefanos Levidis, investigador forense.
“Mostra como a Guarda Costeira grega usa cinicamente o equipamento de resgate ao contrário, para negar acesso à segurança a milhares de requerentes de asilo, deixando-os à deriva nas correntes marítimas”.