
Frei José Nunes a apresentar o estudo sobre missões cristãs nas colónias de África. Foto © Direitos Reservados
“Durante o Estado Novo, a Igreja conheceu momentos de grande entendimento e submissão ao poder colonial, mas também assumiu posturas críticas de profundo distanciamento das políticas governamentais”.
É esta a principal conclusão de um estudo do frade dominicano José Nunes, que foi a base de uma conferência por ele proferida recentemente na Universidade do Minho, com o título “As missões cristãs nas colónias portuguesas de África: submissão e resistência ao colonialismo durante o Estado Novo”. A sessão, moderada pelo Prof. Moisés de Lemos Martins, inscreveu-se num ciclo sobre “Interpelações a partir d’ O Silêncio da Terra. Visualidades (pós)coloniais intercetadas pelo arquivo Diamang”.
Frei José Nunes, ele próprio missionário durante nove anos em Angola, sustenta no seu trabalho que “o governo português tentou controlar a situação colonial com intervenções legais que colavam a Igreja mais forte (a Católica romana) ao agir do próprio regime (com a Concordata e o Acordo Missionário de 1940 e o Estatuto Missionário de 1941)”. Por sua vez, “a Igreja Católica (…) aproveitando algumas benesses materiais dessas políticas e acordos, e tendo como fundamento teológico as perspetivas da ‘salvação das almas’, da implantação da Igreja e da adaptação, deixou-se submeter aos interesses coloniais do Estado Novo”.
Esta é, porém, apenas uma parte da realidade que José Nunes estudou. Na verdade, em sintonia com “os ventos soprados de toda a África”, que apontavam noutra direção, o que começava a ganhar vigor e visibilidade era a luta dos povos colonizados pela sua independência política e, no terreno religioso, teologias críticas e da libertação que levaram a que “numerosos missionários interviessem na luta anti-colonial, tendo muitos deles sofrido perseguição, prisão, exílio”.
Esta corrente teológica e missionária, nota José Nunes, não foi exclusiva da Igreja Católica: “as Igrejas Protestantes, menos protegidas pelo regime, tinham até mais condições para investir na luta anticolonial”. Líderes negros como Agostinho Neto, Jonas Savimbi e Holden Roberto, por exemplo, eram filhos de influentes pastores protestantes.
O autor recorda também, neste contexto “o enorme significado, e suas posteriores consequências”, da iniciativa do Papa Paulo VI de receber, no Vaticano, em 1 de Julho de 1970, os líderes políticos das colónias portuguesas em África: Marcelino dos Santos (FRELIMO), Agostinho Neto (MPLA) e Amílcar Cabral (PAIGC).
A Igreja, que foi suporte do colonialismo, “contribuía, assim, decisivamente, para o desmoronar do império colonial português”, em que tiveram papel extraordinariamente corajoso grupos significativos de missionários e mesmo um número reduzido de bispos, como D. Sebastião Soares de Resende e D. Manuel Vieira Pinto.
O estudo fornece, no texto, evidências deste processo histórico em que a ação missionária da Igreja (ou das igrejas) foi, também ela, campo do vendaval de mudança que afetou as sociedades africanas.
José Nunes nasceu em 1956, em Lisboa. Fez a primeira profissão na Ordem dos Pregadores em 1977, tendo sido ordenado presbítero em 1984. Doutorou-se em Teologia Pastoral na Universidade Pontifícia de Salamanca e foi missionário em Angola durante nove anos. Em 1994, começou a lecionar na Universidade Católica Portuguesa, em Lisboa. É, desde 2017, o prior provincial da Ordem dos Pregadores (Dominicanos) em Portugal.
Pelo seu interesse, divulgamos aqui o texto integral que serviu de base à conferência de frei José Nunes na Universidade do Minho.