
A “nobre simplicidade” dos ritos da liturgia deveria ainda ter em conta, na conceção e confeção das diferentes peças, o respeito pelo lugar, a sua história, a consideração do espírito da liturgia católica, segundo os significados e as normas estabelecidas na sequência do Concílio Vaticano II, e serem facilmente utilizáveis pelos ministros e assembleias que se reunirão na catedral. Foto: captura de ecrã do site da Diocese de Paris.
A Comissão Nacional de Património e Arquitetura da França prevê dar esta quinta-feira, 13, o seu parecer de natureza consultiva sobre o projeto de mobiliário litúrgico para a catedral de Notre Dame, apresentado por um famoso designer francês, escolhido pelo arcebispo de Paris, Laurent Ulrich.
A encomenda, que incidia especificamente sobre o altar, o batistério, o ambão, a cátedra episcopal e o tabernáculo, peças de grande significado e visibilidade, foi objeto de uma consulta para manifestação de interesse, à qual responderam 69 artistas (Nicolas Alquin e Marc Alechisnki em conjunto, Guillaume Bardet, Pascal Convert, Laurent Grasso e Constance Guisset).
O arcebispo, assessorado por um comité artístico alargado que tinha constituído em outubro de 2023, escassos meses depois de ele próprio ter tomado posse, escolheu cinco finalistas, em janeiro de 2023. Esses cinco trabalharam até ao final de maio para concretizar o seu projeto por escrito, com desenhos e maquetas, em estreita interação com o comité e o arcebispo. Tratava-se de tornar claro o objetivo e a utilização, bem como a localização de cada uma das peças. Além da razão de ser de cada uma, “o conjunto deve constituir uma harmonia que mostre que é o próprio mistério da fé cristã que está a ser expresso, bem como a vida sacramental única dos fiéis”, explica o prelado diocesano.
A “nobre simplicidade” dos ritos da liturgia deveria ainda ter em conta, na conceção e confeção das diferentes peças, o respeito pelo lugar, a sua história, a consideração do espírito da liturgia católica, segundo os significados e as normas estabelecidas na sequência do Concílio Vaticano II, e serem facilmente utilizáveis pelos ministros e assembleias que se reunirão na catedral.
Mais ainda: não bastaria pensar no passado e no lugar específico no presente, mas também nas gerações futuras. “É preciso pensar num mobiliário que seja uma obra de arte para hoje, mas que possa ser considerado duradouro: os altares românicos, ou os da época clássica, foram muitas vezes utilizados durante séculos”, realçou Laurent Ulrich.
A escolha do arcebispo, anunciada na véspera da festa de S. João Batista, recaiu no artista Guillaume Bardet. Segundo o jornal La Croix international, a escolha causou surpresa e mesmo consternação em alguns setores, dado o caráter minimalista da proposta que apresentou. Mas o arcebispo justificou-a em público, referindo a coerência, a aposta no bronze (visto que “entra em diálogo franco com o edifício de pedra”) e a legibilidade imediata de cada uma das peças. Exemplificando, Ulrich apontou o caso do “bloco do altar”, que surge como “uma pedra retirada da terra para o sacrifício”, preparando-se como “mesa fraterna para a Ceia do Senhor”.
O hierarca enalteceu ainda a pureza das linhas e a simplicidade de onde emana “uma força tranquilizadora”. O que o leva a achar que “pouco a pouco, estas obras deixarão a sua marca” e “tocarão também os visitantes da nossa catedral”.
Guillaume Bardet, autor da proposta, sublinhou esta linha de simplicidade, em entrevista ao La Croix , acrescentando que “era importante deixar essas peças falarem por si mesmas, tanto para cristãos como para não cristãos, e assim manter uma forma de simplicidade num espaço tão ricamente decorado”.
É de referir que, em contratos de menor dimensão e significado, o arcebispo Ulrich adjudicou a à designer Ionna Vautrin o projeto para 1500 cadeiras para a nave principal da catedral, e a Sylvain Dubuisson o novo relicário da Coroa de Espinhos de Cristo. Os trabalhos relativos ao som, à luz e ao equipamento audiovisual estão igualmente já a decorrer, de forma que tudo esteja instalado no outono de 2024.
A jornalista e ex-correspondente no Vaticano do La Croix International, Isabelle de Caulmy, escreveu numa nota editorial, que não poder deixar de se “alegrar ao ver a Igreja continuar a investir na arte moderna, em diálogo aberto com a cultura contemporânea”. “Já não tem a força do passado, quando era a principal fonte de inspiração dos artistas. Mas os artistas, crentes ou não, continuam interessados em trabalhar para locais sagrados, sinal de que há algo aqui que vai além da instituição religiosa”, observou.