
A destruição dos últimos dias em Cabo Delgado. Imagem captada a partir de um vídeo da agência Reuters.
O drama humanitário em Cabo Delgado, província do extremo Norte de Moçambique, que já vinha a agudizar-se nos últimos meses, ganhou esta semana tons ainda mais cruéis, com a denúncia de que crianças foram decapitadas pelos grupos armados que têm espalhado o terror naquela província.
A organização não-governamental Save the Children (Salvem as Crianças), que esteve na região, refere relatos de famílias que dão conta de cenas horríveis que viveram, nomeadamente de crianças raptadas e mortas. Em um caso, pelo menos, uma mulher testemunhou a decapitação do próprio filho e este tipo de prática foi referido como tendo já ocorrido anteriormente.
A ONG cita o relato de uma mãe: “Naquela noite, a nossa aldeia foi atacada e as casas foram queimadas. Quando tudo começou, eu estava em casa com meus quatro filhos. Tentámos escapar para o mato, mas eles apanharam o meu filho mais velho e decapitaram-no. Não podíamos fazer nada porque também seríamos mortos.”
“Depois de o meu filho de 11 anos ter sido morto – conta, por sua vez uma outra mãe – percebemos que já não era seguro ficar na aldeia. Fugimos para a casa do meu pai noutra aldeia, mas alguns dias depois os ataques começaram ali também. Eu, o meu pai e os meus filhos passámos cinco dias a comer bananas verdes e a beber água de bananeira até conseguirmos o transporte que nos trouxe aqui.”
O terror continua a fazer com que famílias inteiras, muitas vezes separadas, se vejam forçadas a abandonar as suas casas e aldeias para rumarem a zonas tidas como mais seguras. O número de deslocados ultrapassa as 670 mil pessoas, segundo a ONU, e uma boa parte delas enfrenta a falta de alojamento e de alimentação.
“A ajuda é desesperadamente necessária, mas poucos doadores dão prioridade à assistência para aqueles que perderam tudo e para os seus filhos”, quando as necessidades “superam em muito os recursos disponíveis”, diz Chance Briggs, da Save the Children. “Enquanto o mundo esteve focado na covid-19, a crise de Cabo Delgado cresceu e foi menosprezada”, acrescenta.
De facto, várias ONG internacionais e confissões religiosas montaram serviços de socorro, que se têm revelado manifestamente essenciais, mas insuficientes, perante a avalanche de deslocados. Ainda há dias o repórter Nuno Amaral, da Antena 1, que percorreu diversas localidades de Cabo Delgado, dava conta de ter encontrado acampamentos improvisados em que a fome e a urgência de auxílio era o mote mais frequente das conversas, problemas que afetam já os próprios autóctones dos aglomerados onde se foram concentrando aqueles que fugiram.
Entretanto, os Estados Unidos da América iniciaram na última segunda-feira, dia 15, um curso de formação de dois meses de fuzileiros moçambicanos para combater o “alastramento do terrorismo e do extremismo violento” em Cabo Delgado.
Também em janeiro passado esteve em Moçambique o ministro dos Negócios Estrangeiros português, Augusto Santos Silva, que representava a União Europeia e que respondia a um pedido de ajuda de Moçambique para acabar com a insurgência armada em Cabo Delgado. Várias equipas de Moçambique e da União Europeia passaram, desde então, a realizar reuniões técnicas para futuras ações de cooperação humanitária e militar.