
“A maior parte destas mortes ocorre na sequência de quedas, porque as pessoas sobem para onde não deviam ou empoleiram-se em lugares perigosos só para tirarem a tal fotografia que guardarão com orgulho.” Foto © Ashley Jurius / Unsplash
Lê-se e mal se acredita:
“Un estudio revela que en lo que va de año ha muerto en el mundo una persona a la semana por sacarse fotos en lugares arriesgados”.
A notícia saiu no jornal El País do passado dia 26 de outubro, num texto perturbadoramente intitulado “Los selfis mortales, bajo la lupa de los epidemiólogos”.
Ou seja, anda imensa gente a morrer só por arriscar demais nessa atividade (que devia ser) lúdica a que chamamos (sem grande possibilidade de tradução) “tirar selfies”. Imensa gente mesmo. Lá voltamos à notícia: o estudo ali citado revela que, entre janeiro de 2008 e julho de 2021, morreram no mundo, no contexto de “tirar selfies”, pelo menos 379 pessoas. Trezentas e setenta e nove pessoas. Dá, em média, uma morte cada 13 dias.
A tendência baixou um pouco durante a pandemia que nos fechou mais em casa, mas desde o início deste ano ela tem ressurgido com força, tendo-se registado já 31 acidentes mortais – a tal média de uma morte por semana. Uma morte por semana. A “tirar selfies”.
A maior parte destas mortes (216) ocorre na sequência de quedas, porque as pessoas sobem para onde não deviam ou empoleiram-se em lugares perigosos só para tirarem a tal fotografia que guardarão com orgulho. Ou melhor: que partilharão de imediato no Instagram ou no Facebook ou no Twitter, recolhendo likes aos milhares. Talvez seja também por isso que a maior parte destes acidentes mortais ocorra com adolescentes e jovens até aos 19 anos (41%) e que a média geral de mortes esteja nos 24,4 anos.
Os números já impressionam, mas eles podem ser bem piores, pois por um lado o estudo apenas recolheu os casos publicados em jornais de seis línguas (muitas situações eventualmente nem chegam aos jornais ou são contadas noutras línguas) e, por outro lado, apenas dão conta de quem morreu. Ou seja, foi apenas identificada, com estas cifras, a “parte mais visível do problema”. Muita mais gente haverá que sofreu acidentes a tirar selfies e que se feriu, porventura com gravidade, mas não perdeu a vida. Tudo somado, devemos ter para aqui uns bons milhares…
E porquê?
No referido artigo do El País, uma socióloga – autora de um curioso livro intitulado “Tú no eres tu selfi” – ajuda-nos a tentar perceber o que estará por detrás deste afã de tirar selfies sobre selfies, e sobretudo (como é relevante para o assunto que aqui nos trouxe) selfies em lugares ou contextos arriscados. Destaca, desde logo, que estas fotografias, na generalidade dos casos, se destinam a ser partilhadas através das redes sociais. A fotografia parece ser cada vez menos para eu guardar, mas cada vez mais para eu mostrar: é uma forma “de relação e comunicação social”, diz Liliana Arroyo. E como é que esta forma aparentemente inócua de relação pode levar a comportamentos de risco? Ela explica: “Las redes sociales premian los contenidos más extremos, porque funcionan con unas dinámicas por las que son estos los que logran captar más atención. El premio de hacerse un selfi muy arriesgado es la valoración social y esto te da una sensación de adrenalina con cada like que recibes”.
Um outro texto a propósito deste assunto, publicado igualmente no El País, mas já nos idos de 2019, é da autoria de Berne González Harbour e tem o curioso título de “Instagram o morir de selfi”.
Aí, a articulista afina pelo mesmo tom da socióloga Liliana Arroyo, sublinhando também que a nossa relação com a fotografia tem mudado: aparentemente, já não fazemos tanto a fotografia “para reter, para captar, para converter em arte o percurso da história e da vida”, mas fazemo-la para a “exibição do que queremos parecer”. Ela o diz: “Ya no posamos para vivir, para reflejar la vida y el disfrute, sino que parecemos vivir para posar, para simular, para vender una imagen filtrada de nuestra realidad.”
E conclui com uma pergunta a que cada um(a) dará a resposta que quiser: “¿Posamos para vivir o vivimos para posar? No lo sabemos, pero, al menos, procuremos que no sea para morir.”